quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A Origem da Busca - versão completa


 


Não sabemos ao certo onde nossas escolhas nos levam, antes de tomá-las. Mas isso não pode ser motivo para permanecermos na inércia. Estamos sempre, quando encarnados, principalmente, sujeitos a escolhas, decisões que nos definirão no futuro. Aonde iremos, ou melhor, onde nossas escolhas nos levarão é sempre motivo de receio para uns e de estímulo para outros. Assim, de escolhas em escolhas vamos colhendo os resultados que nos fazem crescer, amadurecer e na maioria das vezes regados a sofrimento e lágrimas, pela nossa natureza imperfeita.
Os caminhos tomados, muitas vezes não são os certos, mas também não são os errados, pois na estrada do aprendizado tudo que precisamos acontece, todas as pedras, tropeços, caídas, tudo, tudo sempre nos leva à luz.
Dessa forma, imagens, cenas, diálogos, culpas, responsabilidades, tudo, resumido à escolhas formam o enredo de vidas e vidas que vamos tendo, onde os principais atores estão, vez por outra sob o manto de personagens, nas encarnações, que tem como único objetivo a felicidade.
O que se desenrolará à seguir neste cenário que está prestes a entrar, não é nada demais quando comparado às lições que tivemos decorrentes das escolhas que tomamos.


Algumas lembranças são tão vivas em mim que quase posso tocá-las, como se fossem algo palpável. Os sentimentos, invariavelmente, que vem junto a tais lembranças, são as únicas coisas que tento amenizar, mas como um passageiro que assiste a tudo sem ter como modificar o caminho que já foi percorrido, volto a senti-los, condenado por tudo que fui responsável. Às vezes o que mais me atormenta são as cenas dos momentos decisivos, marcantes, sofridos, onde ao revê-los busco alternativas para que minha consciência me poupe. Não há. Já foi. Porém, incríveis são os momentos de calma e tranqüilidade vividos, são os que mais me dão força para me reerguer e ir à frente, pois tenho a certeza que reencontrarei a todos, de uma forma ou de outra.






Eu estava com aproximadamente 10 anos quando comecei a perceber aquela vontade de encontrar, de tentar acalmar aquele vazio. Éramos todos, uma grande família. Nós, os GITANOS (ciganos) éramos chamados de povo feliz, por uns e de malandros pela maioria.





Eu era o filho mais velho de três irmãos; havia ainda minha irmã, Mercedes, e meu pequeno irmão o pequeninõ André. Me chamava José Ruan Carlos, mas todos me chamavam apenas de Ruan o que mais tarde faria todo sentido. Meu Pai, Antônio Rodrigues, líder daquele clã ( um Barô/Gagú) e minha mãe, a bela Sinhara, traziam em seus olhos a essência de todo o nosso povo; ela, linda, exuberante, de olhos verdes fortes, contrastavam com sua pele levemente morena, e seus cabelos negros. Meu pai, um verdugo autêntico, com porte clássico, bigode, olhos cor de amêndoas/mel, braços fortes, mãos largas, sorriso fácil, o que na verdade era a principal característica de todos do nosso grupo.

O grupo era muito coeso e unido, sendo isso uma raridade para aquela época. Muitos grupos já haviam sido desmembrados por conta da briga de poder que sempre existia. No nosso isso não ocorria. Todos respeitavam a "descendência" que era fator importante para se tornar líder, além da postura correta. Assim, por este critério eu seria o próximo a liderar aquela gente e seria responsável por manter a prosperidade de todos. Isso sempre me foi alertado e desde muito cedo fui criado para que um dia isso acontecesse. Apesar deste meu futuro certo, eu tive uma infância normal, para crianças ciganas. Acompanhava, quando muito jovem, as mulheres às idas às cidades para a leitura de mãos. Quando fiquei mais velho um pouquinho, algo em torno de 7 anos de idade, comecei a estar ao lado dos homens para aprender alguma atividade. Muitos foram meus professores, aprendia, diversas artes, danças, produzíamos artesanatos ciganos para o comércio, e aprendi a pastorar algumas cabras que possuíamos. Sempre me dei melhor com a arte e o manuseio da madeira. Adorava processar, manualmente aquelas tábuas, antes, árvores frondosas depois cadeiras, mesas, brinquedos.
Pela minha descendência, pelas características dos meus pais, sempre fui muito bonito. Meu cabelo um misto de ondulado e liso de um negro só comparável à de minha mãe. Meus olhos refletiam minha alma selvagem, de uma cor clara, que não se aproximava nem do mel (de meu pai) nem do verde ( de minha mãe). Minha mãe costumava dizer que meus olhos eram a minha grande arma na lida com as mulheres. Mas meus olhos não eram as únicas "armas" que eu dispunha. Desde muito cedo, tinha uma propensão em saber lidar com a alma feminina. Era algo natural. Sabia como encantá-las, entende-las, tê-las.
E assim minha adolescência iniciou-se. Haviam muitos jovens, o futuro daquele clã, daquele grupo. Convivíamos todos, de forma a criamos laços fortes. Neste ambiente eu acabei me ligando de forma especial à Carla. Ela era viva, vibrante, me fazia sempre sorrir, e me encantava com seus cabelos loiros, e seu jeito moleque de ver a vida. Estávamos sempre próximos.
Estávamos, quase todos, com 15 anos. Está é uma idade onde alguns caminhos já são traçados para os jovens verdugos ciganos. Carla tinha uma irmã, mais nova, a bela Andressa. Ela era 3 anos mais nova que Carla. Mas ao contrário desta, Andressa era petulante, metida, sempre com aquele nariz empinado. Tratava a quase todos de forma indiferente, quase todos, porque sempre que eu estava por perto ela mudava, como que por encantamento. Havia um amigo, Pablo, era com quem eu costumava passar as horas do dia quando não estava com Carla. Era um bom e fiel amigo. Minha adolescência passou tranqüila de certa forma. Quando não estava junto com os adultos, me preparando para minha ascendência à liderança daquele grupo, estava com meus amigos.
Certo dia, quando estava com meus 16 para 17 anos, meu pai me avisou da viagem que deveria fazer. Meu pai sempre muito preocupado com as experiências que eu deveria ter, planejou uma viagem para que eu conhecesse outros clãs, grupos de ciganos, para, como meu pai falava: - Para se tornar merecedor de ser um Barô deve conhecer a realidade de muitos outros do nosso povo, só assim entenderá como agir"
Eu deveria ficar fora por 5 anos, aproximadamente. Na noite anterior, foi realizada uma grande festa para minha despedida. Todos estavam lá. Mas Carla ainda não havia chegado. Eu a procurava mas nada dela.
Encontrei Andressa, questionei sobre a presença da irmã.

-          Andressa onde está Carla?
-          Ruan....ela não virá. Não está se sentindo bem. Acho até melhor, é uma fraca, por qualquer coisa fica lá dentro da sua tenda. Mas eu estou aqui...vem vamos nos divertir....
-          Não Andressa, quero falar com ela.
-          Mas para que? Vem olha para mim, já estou com quase 14 anos, e sabes que com 15 já posso me casar. Isso não te interessa??? falou me puxando para perto dela.
-          Andressa...me larga...deixa eu ir ver como está tua irmã....retirei as mãos dela e segui para a tenda de Carla.
-          Esse é outro fraco, mas será meu, nada vai  tirar você de mim, vou te fazer forte pode deixar meu amor! os olhos de Andressa brilhavam.
Ao chegar à tenda de Carla percebi ela a olhar para a lua por uma fresta. Estava radiante, com sempre, e iluminada por aquela luz prateada seu rosto era inspirador. Me arrepiei quando vi aquela cena.
-          Carla, porque ainda estás aqui? Não vai à festa?
-          Não me sinto bem, não tenho ânimo para comemorar.....afinal é uma despedida porque me alegraria com isto?
-          Carla, já falamos sobre isto. Não me alegro também em partir mas preciso aprender outras culturas, conhecer outros povos.
-          Mas tenho medo....de que me esqueças. Carla olhou diretamente para mim quando pronunciou aquelas palavras.
Estremeci novamente. Peguei em suas mãos e percebi o quanto estavam nervosas, pois tremiam.
-          Carla não fique assim, estou aqui e não te esquecerei....senti aqueles lábios, doces e delicados de encontro aos meus.
Ficamos abraçados, mais ainda unidos e planejando quando eu voltasse, porém tudo em segredo, ainda....No dia seguinte parti para a tão esperada jornada que me faria o homem e líder daquele clã. O que eu não esperava que tudo a partir dali seria completamente diferente do que havia sido até então.


--------------------------------------------------------- Fim da primeira parte----------------------------------------------------

A viagem iniciou com a ida ao primeiro dos clãs. Na saída, todos estavam lá para se despedir. Não entendia bem o porque mas Andressa não estava por perto no momento de minha saída, "melhor assim", pensei. Me despedi de todos, inclusive Carla que estava mais animada depois do nosso ultimo encontro. Eu e Igor, meu acompanhante, primo meu, que foi indicado a ir depois que Pablo, de uma hora para outra desistira, sem uma explicação aparente. Partimos e antes de perdermos de vista o acampamento, eis que surge, coincidentemente á beira da estrada, Andressa.
-          Ruan, que bom que te encontrei...
-          O que faz aqui ANDRESSA?
-          Vou contigo....
-          O que???? como assim? que loucura é essa Andressa?
-          Calma meu amor....não te preocupas não te deixarei à sós....
-          Que conversa é essa Andressa?
-          Ruan, já vi o nosso futuro, ele é junto, não há como fugir...
-          Que Futuro Andressa? Estás louca? Vai anda, Igor irá te acompanhar....Como sabia que estávamos por esta estrada?
-          É o destino meu amor...não percebes....
-          Chega Andressa, vai Igor e não pára até chegar ao acampamento...estarei a ir mais devagar a te esperar...
-          Sim primo, vamos Andressa.... Igor foi a pegando pelo braço e levando até sua montaria. Já se afastavam de mim, indo na direção do acampamento.
-          Igor não precisava me apertar daquele jeito....seu animal....
-          Andressa, Ruan ia ficar desconfiado de mim, ele já estava a questionar-se sobre sua aparição tão certa nesta estrada. Não posso correr o risco de perder a confiança dele.
-          Como tu és....não pensa? Como poderei colocar a minha ametista no bolso dele?

De acordo com a cultura daquele povo, quando uma jovem cigana era prometida á um Jovem esta lhe entregava a sua pedra preciosa - pedra esta que era passada de mãe para filha, primogênita - no caso da família de Andressa a pedra de sua mãe era, preferencialmente de Carla o que deixava Andressa com muita ira. As filhas que não fossem primogênitas tinham a escolha de qualquer pedra que as representasse, mas isso não era algo bem visto pois representaria uma linhagem mais alternativa e não a principal.
Assim, a utilização de pedras como sinal de compromisso da mulher era uma forma que todos  saberiam que aqueles dois estariam comprometidos. Não haviam pedras repetidas, assim quando uma pedra era vista com um jovem rapaz, todos já sabiam quem era a dona daquela preciosidade e do coração de quem a portava. O jovem cigano entrega como prova de comprometimento seu lenço preferido, onde é amarrado ao braço da jovem comprometida com o dono do lenço.

-          Andressa, deixe isso comigo....eu farei isso, mas como fará para pegar o lenço dele. Ele não desgruda deste nunca!?
-          Isto deixe comigo. Apenas faça por enquanto sua parte! O trajeto da viagem continua o mesmo?
-          Sim Andressa, conforme me foi passado....mas como fizeste para que Pablo desistisse de ir?
-          Pablo tens interesses em minha irmã, assim foi fácil.....Prometi à ele que ele terá o que mais deseja...
-          Mas como fará isto? Ela ama Ruan....
-          Igor por isso tu acabará na sarjeta...não entendes nada de energias, possibilidades de futuro.....tudo tem possibilidade de acontecer, basta que sejam feitas na hora exata, e assim são concretizadas. Minhas cartas já me mostraram o momento. Preciso apenas aguardá-lo!
-          Andressa as vezes tu me assusta com esse seu sorriso estranho e tuas palavras. Mas você é quem sabe, eu, recebendo minha parte, tá tudo bem!
-          Você receberá o que merece, te garanto!
O sorriso no rosto de Andressa contrastava com os pensamentos e as visões que vinham à sua mente. Sua satisfação com tais possibilidades eram reais, e ela não mediria esforços para concretizar seu desejo.


-----------------------------------------------------------Fim da segunda parte--------------------------------------------------

As passagens pelos diversos clãs sempre me traziam novos aprendizados e muitas histórias. Destas, prefiro não comentar nenhuma em particular. Apenas que um homem acaba se sentindo só, com os dias, semanas, meses, anos, longe daqueles que ama. Vez ou outra enviava Igor para nosso acampamento para levar noticias e para trazê-las à mim. Entre idas e vindas, muitas passaram pela minha tenda. Em cada acampamento, eram duas, três e até mais para tentar abrandar as coisas dentro de mim. Sempre me envolvia muito com cada uma, olhava em seus olhos, suas almas, compartilhava seus sonhos, as tinha em meus braços, de verdade, mesmo que apenas por algumas horas, mas todas se sentiam amparadas, seguras, ouvidas, entendidas. Certa vez, num certo clã, onde as mulheres eram maioria, fui recebido com certa desconfiança, pois muitos homens ao estar lá só abusaram e usaram de violência com aquelas mulheres. Foi complicado conseguir a confiança e de entrar mais na vida daquelas ciganas. Após alguns dias naquele acampamento, e já bem "intimo" de várias de lá, pude escutar uma coisa que nunca mais me esqueci. Nahara, a líder daquela falange, após uma noite ao meu lado, quando à luz da lua cheia, e deitados em sua carroça/tenda, após alguns minutos de conversa, virou para mim, com seus cabelos negros, e olhos azuis, olhando bem dentro de meus olhos e disse:

-          Ruan, é diferente de todos os homens que já tive aqui em minha cama. Sabes como tocar a alma de uma mulher. Não és egoísta, apenas pensando em ti. És lindo, cativante, paciente, carinhoso. Seria um ótimo marido para quem quer que seja. Mas se sabe tão bem como encantar uma mulher, tens um problema contigo. Não serás de ninguém, e isso não é uma praga minha; é teu destino. Isso que tenta tanto acalentar dentro de ti, só será feito quando resolveres teus próprios fantasmas. Uma pena pois muitas desejarão isto que eu desejo agora, mas que nenhuma terá - Você por completo! És sem dúvida um mago na arte de amar e tens uma capacidade única em atrair através de seu maganetismo. Mas nada disso poderá diminuir o que sente dentro de ti. Apesar de sua "figalguia" na arte de amar as mulheres, estás fadado a não ter paz dentro de ti, pois tua busca está apenas começando...., meu caro "Don", pois não é assim que os fidalgos são chamados? com este título de nobreza? Então tua nobreza está na arte de seduzir, de fazer-se envolver, de se fazer de todas e não ser de ninguém. Vais meu caro "Don", José Ruan Carlos, meu amor, meu "Don" Ruan. Continua tua jornada em busca de ti mesmo....

Sai aquele mesmo momento daquele acampamento, com aquelas palavras, aquela sentença, aquele nome ressoando em minha mente. Busquei novamente a estrada e fiquei a imaginar onde esta me levaria desta vez, quem cruzaria meus caminhos, meus lençóis, quem me marcaria de uma vez por todas. Lembrei do acampamento. De Carla, Andressa, Mercedes, meu Pai e minha Mãe, de Pablo. Uma saudade me assolou a alma. E um aperto me doeu o peito. Igor não percebeu, pois estava muito sonolento, mas meu ser já pressentia o que viria. Ao longe via as luzes de uma cidadela que aportaríamos, por uns dois dias apenas. Seria a primeira vez que ficaríamos numa pequena cidade, fora da rota dos clãs. Algo me dizia que lá coisas aconteceriam que me marcariam a jornada.

-------------------------------------------------------Fim da Terceira parte------------------------------------------------------

Paramos numa estalagem para viajantes comuns. Queria muito aprender um pouco sobre os costumes do povo "normal". Tinha idéias para aumentar nossas receitas no comércio com tais povos. Precisava conhecê-los a fundo. Na entrada do estabelecimento havia um homem, um senhor que estava à porta. Quando ia passando pela porta, junto a Igor, o homem, com seus cabelos brancos e grandes bigodes, soltou um pedido quase que mudo.

-          Uma esmola para que eu compre algo para comer. Estou muito faminto e fui assaltado por desordeiros ao vir para cidade. Bateram-me e levaram meu cavalo. Preciso me reestabelecer para seguir de volta à minha propriedade.

Quando olhei melhor para o senhor, reparei que realmente seus trajes não poderiam ser de um simples pedinte. Percebi que estava machucado e mal podia se erguer.

-          Mas porque não pediste ajuda antes meu senhor? Questionei
-          Apenas agora à pouco recobrei a consciência meu amigo. Não consegui me levantar pois minhas pernas doem muitíssimo. Sou conhecido na cidade, mas pela hora avançada ninguém se atreve a olhar, imagina a ajudar um pedinte sujo e todo machucado. Acabaria apanhando mais, por isso não bati à porta de lugar algum nesta cidade. Mas percebi que chegavam dois estrangeiros por isso pedi à ti.
-          Ruan, cuidado pode ser um truque, cuidado!
-          Calma Igor, não deixarei de ajudar por causa de uma desconfiança. Vamos. Irei me instalar aqui neste lugar. Ajudarei a te restabelecer. Vamos Igor, me ajude com este senhor, como se chamas moço?
-          Antônio.

Feito isso, após nos instalarmos e ajudarmos aquele senhor, no dia seguinte, melhor e mais arrumado, este conseguiu ajuda de conhecidos que ao conhecerem nosso ato frente a necessidade daquele senhor, fomos muito bem recebidos pela cidade, de forma geral. Assim, fomos convidados à uma festa tradicional daquele local, que seria realizada em frente a igreja. Fomos apresentados à todos os moradores ilustres, o padre, o prefeito, entre outros. Antônio, partiu, prometendo voltar mais tarde para a tal festa com a família toda.
Pela noite, a área em torno daquela antiga igreja estava toda enfeitada. Me vesti de forma mais "normal", para não trazer desconfianças, pedi que Igor fizesse o mesmo.
A festa foi transcorrendo de forma normal sem muito o que chamasse a atenção. Muitas mulheres, jovens, ao perceberem dois novos rapazes na cidade logo vinham conhecer-nos. Em um certo momento, sinto um toque nas minhas costas:
-          Foi o Senhor que ajudou o Antônio???
Ao me virar me deparei com um senhor, deveria ter seus 60, 70 anos, mas muito forte e bem vestido. Tinha barba, bem feita, branca, e um olhar que me penetrou a alma.

-          Sim sou eu! falei imaginando o que aconteceria.
-          De onde vens, meu rapaz? Qual é teu interesse aqui?
-          Bem, eu venho da região das falácias....minha intenção aqui é......
-          Antenor, para já com isto, não vê que está deixando o rapaz constrangido. Afinal de contas, ele ajudou teu irmão e ainda desconfias dele? Olá me Chamo Joana, estas são minhas filhas, Natália e Julia, e André nosso filho, sobrinhos de Antônio a  quem tu ajudastes ontem.

Ao passar meus olhos pelas pessoas fui percebendo então a situação. Joana, a matriarca, uma senhora bonita e de porte e atitudes elegantes que transpareciam calma e sutileza. O patriarca, Antenor, direto e sem rodeios em suas falas e atitudes; seu irmão Antônio, ingênuo e pelo que pude perceber bem diferente do irmão. André, um rapazinho, de uns 10 anos aproximadamente, Júlia uma jovem moça, de seus 14 anos, tímida e linda e Natália; acho que quando cruzei meus olhos aos dela, sentimos tudo que aconteceria, desde então. Um lampejo forte nos arrebatou e por um momento foi como se tudo ao redor parasse. Ela e eu percebemos um no outro as reações descompassadas. Sorrimos juntos ao mesmo tempo e abaixamos a cabeça da mesma forma. Aquela pele branca ressaltavam ainda mais seu rosto, os contornos da sua boca, de seus olhos, negros. Seu cabelo, amarrado para trás, de cor negra também, faziam um conjunto de chamar atenção de muitos ali. Ela tinha 18 anos. Talvez por isso o Pai fez questão de se aproximar dela quando nos encaramos, a primeira vez. Mas se todos ali imaginassem tudo que viria daquele encontro, talvez prefeririam não terem se conhecido.
-----------------------------------------------------------Fim da quarta Parte---------------------------------------------------------




Igor se aproximava do acampamento. Ele ia uma vez ou outra para levar notícias e trazer saudades. Sempre que voltava eu o questionava sobre noticias de Carla. Sempre enviava uma carta para ela. Mas nunca recebia resposta alguma. Isso já me deixava triste pela ausência de palavras mais direcionadas à mim, por ela. Dessa vez mandei junto da carta meu lenço, como um sinal claro e direto de minhas intenções. Igor ficou surpreso e sem palavras com minha atitude.
Sempre que ele chegava ao acampamento se dirigia antes à tenda de Andressa. Dessa vez não era diferente.

-          Igor, já não era sem tempo. Porque demorou tanto dessa vez?
-          Ruan não queria que eu viesse dessa vez. Disse que não queria ficar esperando por noticias de Carla e não receber nada.
-          hummm, então ele está começando a se cansar dela....ahahahahah, sabia que se fizéssemos que as cartas dela não chegassem até ele, uma hora ele cansaria. Logo, logo vai estar carente, aí nesta hora eu apareço para acalentá-lo.
-          Sei não viu Andressa. Ele conheceu uma moça da cidade e estão enamorados a alguns dias. Não se desgrudam hora alguma. Íamos ficar apenas alguns poucos dias para reabastecimento, e já dura um mês.
-          O QUE???? QUEM É ESTA? QUEM É ESTA VIGARISTA QUE ESTÁ QUERENDO ROUBAR ELE DE MIM??? CRETINA....mas eu irei acabar com isto de uma vez por todas. As outras eu sempre soube, eram apenas passageiras do meu amor, ele as usava para acalmar a falta que sente de mim....

Andressa se perdia na suas conjunturas. Igor ficava a olhar tais loucuras e a imaginar o que mais ela seria capaz de fazer para obter o que mais desejava. Se ela ao menos mudasse. Enxergasse que na verdade eu, Ruan, nunca daria à ela o que ela mereceria. Mas ele poderia a fazer feliz, pois ele seria capaz de mover tudo ao redor para vê-la feliz. Ela não o percebia, mas nem por isso ele desanimava. Um dia ela iria enxergar tudo com clareza, enquanto isso ele a ajudaria, ela com certeza iria perceber quem realmente gostava dela.

-          Andressa, e as cartas que Carla me entrega. O que devo fazer com todas?
-          Me entregue assim como as de Ruan endereçadas à ela. Nenhum deles saberá notícias nem de um nem do outro. O que mais ele enviou por ti?
-          Isto!! Igor retirou o lenço, símbolo de compromisso, de caráter, de palavra de um homem cigano. Andressa foi ao êxtase ao pegar o lenço em suas mãos.
-          Me dê! Hummm como é cheiroso. Tem o cheiro do meu amor. Agora é só aguardar, que logo todos saberão que temos um compromisso, logo, logo! Vai Igor, vai, me deixa aqui com o lenço do meu amor!!! Depois passa aqui para acertarmos os detalhes da minha ida à esta cidade para tirar essazinha de perto dele!!!

Igor foi ao encontro dos outros. Ele sempre se lamentava de ver os olhos que vinham cheios de esperança, e pela mentira que ele portava iam vazios e repletos de lágrimas. Todos já percebiam como Carla reagia a cada ausência de noticias direcionadas para ela. Já haviam comentários sobre o fato. Mercedes, percebendo, assim como todos, foi ao encontro de Carla.
-          Carla, Carla, espere. O que houve?
-          Olá Mercedes. Desculpe, mas não consigo mais disfarçar. A falta de uma palavra de Ruan à mim, esse tempo todo me faz pensar, se ele realmente ainda pensa em mim....
-          Carla, conheço bem Ruan. O amo mais do que tudo. Minha ligação com ele é diferente de todos aqui. Não sei explicar bem porque. Carla estranhou tal comentário, mas já havia notado a proximidade e intimidade minha com Mercedes, fato este que provocava certo desconforto em Carla.
-          Apenas posso dizer que conheço bem meu amado irmão e ele não é de ficar sem mandar noticias à alguém. A não ser que exista algo que desconheçamos.....
-          Como assim?
-          Não sei ao certo mas isso não é do feitio de Ruan. Porque não vai de encontro onde ele está?
-          Mas como?
-          Ué??, segue Igor. Ele é muito distraído e pelo que entendi Ruan não está a mais de um dia de viagem daqui.
-          Sim, tens razão. O seguirei e encontrarei Ruan.

Pela manhã Igor já se preparava para a partida. Passou antes pela tenda de Andressa para combinar os detalhes que ela tanto queria fazer.

-          Andressa, estou indo. Então o que fará com o lenço de Ruan?
-          Nada. leve-o de volta. Diga apenas que Carla o rejeitou. Mais nada! Daqui à três dias estarei acampada a 3 quilômetros da cidade, a sudoeste. Quero que vá me encontrar lá para tratarmos do restante.
-          Restante? o que pensa em fazer?
-          Não importa agora. Apenas vá e faça como falei.

Igor saiu em disparada rumo à cidade onde estávamos já a quase um mês. Carla o seguia a uma distância segura, perdendo-o de vista por algumas vezes. No fim do dia, Igor se aproximava da entrada principal trazendo, Carla à distancia. Igor sabia que eu estaria no comércio travando disputas e tentando o melhor negócio para realizar, com os insumos produzidos pelo clã. Àquela altura, eu e Natália já tínhamos uma rotina de encontros. Sempre ao pôr do sol ia para uma região montanhosa, próxima à propriedade da família, e ficávamos lá juntos. Aguardava a chegada de Igor para seguir, por mais um dia para o lugar.
Igor se aproximava devagar, de onde eu me encontrava. Percebi que a uma certa distancia outro cavalo vinha, porém mais rápido que Igor.

-          Ruan, Ruan....olá....como vai???
-          Igor...como foi a viagem? E lá no acampamento, o que traz de noticias para mim???
-          Ruan, foi tranqüila a viagem, mas.....Igor já se preparava para iniciar com o que fora planejado com Andressa, quando subitamente eu começei a olhar para a figura que se aproximava....
-          Carla?? Carla???
-          Carla... Ruan? como assim??? Hã?? Mas o que ela faz aqui??? me seguiu....mas será...que....
-          Olá sumido, porque andas se escondendo de mim??? do que teme? está com medo de mim? Disse Carla ao descer do cavalo
-          Carla, sua figura ilumina meus caminhos, como posso sentir receio de tua presença.
-          Recebestes minha carta e meu lenço?
-          Não recebi nada, nem uma palavra sequer...
-          Igor o que aconteceu, porque não a entregou o que deixei a teu encargo???
-          Ruan...é que....bem..... Igor começava a suar frio, só de pensar que teria que contar tudo e que Andressa certamente o esnobaria depois...
-          Vamos Igor, porque não me entregou o que Ruan confiou à Ti???
-          Ruan...Carla, estou envergonhado.....bem vou contar tudo....na ida, para o acampamento, estava muito cansado na ida e resolvi parar por 2 horas a fim de descansar. Não percebi que deixara meu cavalo sem amarras. Quando dei por mim, este começou a ir pastar longe de onde estava. Só tive tempo de pegar o que estava próximo à mim e sair correndo para recuperar o cavalo. Esqueci o embrulho, com a carta e o lenço no chão. Na volta ainda passei no lugar novamente mais ainda não o encontrei. Mas juro que não descansarei até o achar!
-          Igor, que coisa....logo meu lenço. terei que pedir que minha mãe teça outro para mim.....mas tudo bem, vê se aprende a prestar mais atenção à tudo que está responsável daqui para frente.
-          Mas então, porque veio até aqui? aconteceu alguma coisa Carla?
-          Ruan estava aflita sem noticias suas, pensei que havia me esquecido...queria vir saber o que acontece....
-          Perai Carla, deixa eu falar com Igor a sós....
-          Igor...que papo é esse que ela não recebeu noticias nenhuma minha? Já escrevi pelo menos três cartas....
-          Ruan, depois que vi você se envolvendo com diversas mulheres acabei me confundindo se era para entregar ou não as cartas. Elas estão comigo, se quiser as entrego agora, mas só queria te ajudar, como vais fazer com Natália hoje?
-          Tá....esqueça as cartas, quero que vá no local onde eu e Natália costumamos nos encontrar e diga que surgiu um imprevisto, que tive que ir a uma região próxima e que só retornarei amanhã, quando a procurarei.
-          Tá certo.
-          Olha fique na estalagem normalmente, eu estarei com Carla. Amanhã nos falamos pois tenho instruções a lhe passar
-          Até amanhã Ruan!

Eu e Carla fomos para a saída oeste da cidade, distante de tudo e de todos. Acampamos, à luz da lua, como todo cigano gosta de fazer. Só que desta vez estávamos a sós, para enfim descobrirmos um no outro. Muito foi dito, muito foi-se confessado. Mas nada foi comparado ao som feito quando as palavras não foram entoadas. Os olhares, o suor, o toque na pele, o clímax e por mim a sensação de paz, ao menos, por um momento, tivemos nossa merecida paz, naquela existência. O que aconteceria dali para frente faria que nunca mais tivéssemos momentos como aquele. Foi nosso encontro e nossa despedida ao mesmo tempo.
Talvez por isso, no fim, quando extasiados, ambos, se sentiram angustiados e Carla, delicadamente deixou que lágrimas fossem o selo daquilo que tivemos. Hoje entendo o porque de tudo, naquela noite, e que nada podia ser diferente do que viria a ser.

------------------------------------------------------------Fim da quinta parte--------------------------------------------------------




Na manhã seguinte, refeitos da maravilhosa experiência juntos, nos despedimos e acertei com ela que em até um mês voltaria ao acampamento de uma vez por todas para ficarmos juntos para sempre. Não soube dizer exatamente naquele momento mas ao vê-la ir meu coração apertou de tal forma que por pouco não larguei tudo e fui com Carla. Talvez se tivesse agido assim tudo seria diferente, mas não fui.
Estava indo na direção da estalagem em que ficávamos quando ouvi uma voz. Era Natália. Ela vinha em minha direção, com uma fisionomia que não demonstrava estar muito feliz.

-          Onde esteve ontem, hein, senhor CIGANO?
-          Natália...que saudade estava de tu!!! falei isso já a pegando em meus braços e não dando espaço para mais perguntas.
-          Ruan, assim não há como ficar com raiva de ti!!!
-          Mas és verdade...não sei como consegui não largar os negócios ontem e vir correndo para ti!!!!
-          É... mas não fez....e eu fiquei sentindo muito sua falta!!!!
-          Mas agora esquece o ontem, vem cá vem, chega de saudade.....

Passamos o resto da manhã juntos e após o almoço nos despedimos nos comprometendo de termos novo encontro na tarde do dia seguinte.
Ao encontrar Igor dei as orientações para que ele retornasse ao acampamento e prepara-se minha chegada, inclusive avisando Carla que chegaria e haveria a tão esperada "festa dos lenços”, onde o casal se compromete para o resto da vida. Pedi que encomendasse outro lenço à minha mãe para isso. Determinei que preparasse tudo para o evento e que no máximo em um mês eu estaria partindo para enfim receber meu destino final, com a mulher que desejava e assumindo o posto frente ao Povo. Eu já estava afastado do acampamento a 6 anos, já era tempo de retornar e tomar meu destino de volta.
Antes de Igor ir ao acampamento, se dirigiu a sudoeste da cidade, onde Andressa estava acampada, conforme havia combinado anteriormente com ela.

-          Andressa, Andressa, vai acontecer, Ruan estará de volta  em um mês exatamente para a festa dos lenços com Carla....
-          Como assim Igor? O que aconteceu? Falava Andressa já mudando sua fisionomia.

Após Igor explicar o que aconteceu, da ida de Carla e a noite que os dois passaram juntos, Andressa começou a pensar numa forma de impedir que o evento ocorresse.

-          Preste atenção Igor. Faça como Ruan o ordenou. Vá ao acampamento e faça os preparativos. Eu irei contactar uns amigos meus, que me devem uns favores para raptar Ruan, quando ele estiver vindo na estrada o seguraremos por uns dias até que a idiota da minha irmã esqueça ele e case-se com Pablo...pode ir ...vai, vai, deixe o lenço dele comigo e sai daqu, cumpra seu papel!!!!

Durante os dias que se sucederam, antes da minha partida, comecei e finalizar todos os negócios que estavam sendo tratado. Durante este período continuava a encontrar com Natália, mas por algumas vezes a percebi diferente. Faltando uma semana para minha partida Natália não foi ao meu encontro onde costumávamos estar juntos. No dia seguinte veio até mim, por meio de sua irmã, uma carta de Natália me informando que teve um leve mal estar no dia anterior e que por isto sua mãe a forçava a ficar de repouso durante três dias. No penúltimo dia meu naquele lugar voltamos a nos encontrar, mas Natália estava um tanto abatida.

-          Natália, o que houve? Estou muito preocupado contigo!
-          Não fique meu amor. Foi apenas um leve mal estar o qual fui forçada a estar de cama, mas já estou me recuperando. Vamos nos concentrar em nós, em nossos planos para o futuro...
-          Natália....olha preciso te falar algo....olhando diretamente para os olhos dela, pude transmitir a seriedade do que precisa tratar
-          Ruan...o que foi? Esta me assustando....me fale!!!
-          Olha, sabíamos que nosso tempo juntos era, infelizmente, contado. Somos de mundos diferentes e tenho uma responsabilidade com meu povo, que não pode ser mais adiada! Por isso, amanhã, estarei voltando para meu povo...
-          Mas Ruan...e quanto à nós? Eu o amo.....não quero ficar distante de você...
-          Natália...entenda....sua família nunca irá aceitar nossa relação...e não há meios de você ir embora comigo....fora que seu pai me cassaria se isso acontecesse....
-           Porque se preocupa tanto com meu pai....olhe para mim...pense em mim...preocupe-se comigo!!!! Eu quero estar contigo, enfrento qualquer coisa por você!!!
-          Natália...eu queria tanto isso também, mas a vida é mais complicada do que você a entende.....
-          Sim Ruan, já entendi.....minha inocência em não entender a vida é porque acredito no que sinto por ti.....e imaginava que sentias o mesmo por mim.....mas não vou ficar aqui tentando convencer-te do que deverias ser você a me propor......ADEUS!!!!!

Ao perceber minha insistência ela, de um salto pegou suas coisas, montou em seu cavalo e partiu. Achei que tinha resolvido, mas meu coração me alertava que não. Não sabia, mas seu pai, á muito desconfiava das atitudes da filha, e ao ver a filha chegar desolada, não teve dificuldades em extrair toda a verdade. Sua ira era conhecida e seus brandos de raiva invadiram a rica casa na propriedade. Natália sabia que seu pai não deixaria as  coisas daquele jeito e no fundo era o que ela queria, pois acreditava que ele forçaria Ruan a ficar com ela.
Antenor ao tomar ciência que sua filha havia sido desonrada e por um sangue impuro (cigano), não teve dúvidas, iria à caça deste "mulambo"! Após reunir todo seus comandados, seus capangas, deu a ordem:

-          Quero este imundo vivo, não precisa ser em sua melhor forma mas quero que ele olhe nos meus olhos e assim ter a certeza de que  fui EU  o responsável pela sua aniquilação, raça imunda! Acham que podem vir e fazer o que quiserem e sair ilesos? Vão, busquem na região da saída norte da cidade em direção à planície lancoste. O encontrarão sozinho...será fácil. Os aguardo no celeiro, que é lugar mais afastado da minha casa.

Assim todos os capangas de Antenor partiram em direção à saída da cidade à minha procura. Neste mesmo instante uma comitiva já apontava no horizonte próximo à entrada, ou dependendo do ponto de vista à saída, também à minha procura, mas com outro "mandante". O grupo que Andressa havia enviado eram de abastardos de ciganos, em sua maioria de arruaceiros e realmente vagabundos, que por qualquer quantia de ouro faziam o que lhe era determinado. Se alguém observasse à distancia veria uma cena um tanto quanto pitoresca. De um lado e de outro grupos com a mesma finalidade, e ao centro, eu, sem desconfiar de nada, apenas indo a passos calmos meu caminho, pensando, com cabeça distante.
Numa olhada distraída que dei à frente percebi o grupo, que vinha de forma rápida. Com minha arruada (uma espécie de luneta, para ver à distancia), pude perceber do que se tratava. Eram os minuad's, grupo do extremo norte da região, arruaceiros, sem dúvida. Não sabia o motivo que vinha naquela direção, mas só fato de me encontrarem proporcionaria coisas não muito agradáveis à quem estava em menor número, no caso, eu! Olhei para trás e lembrei de uma mata, a um quilômetro e meio atrás que poderia me esconder. Ali naquele descampado e plano não teria chance, ainda mais com meu cavalo niegro tão carregado.
Fui, o mais rápido que pude na direção que havia traçado, porém minha velocidade não estava sendo suficiente, e cada vez mais o grupo se aproximava, à ponto de escutar eles falando:

-          ali, lá vai ele, vamos pegá-lo!!!

As esta altura já sabia que tinha o interesse direto em mim, por isso tinha que a todo custo chegar à baixada para me esconder na mata. A quase 200 metros de distancia deles, consegui alcançar meu objetivo e me esconder. Os ouvi passando à frente, mais devagar e falando muito.

-          Vamos, encontrem-no, precisamos achá-lo pois só receberemos a quantia em ouro se o levarmos com vida.
-          Quantia em ouro? quem poderia está pagando pela minha pessoa? pensei.

Assim que eles iam à frente se afastando eu ia, a passos cuidadosos, andando de costas, olhando sempre na direção onde eles ainda estavam. Acho que por isso não percebi a aproximação e o golpe na cabeça. Apaguei. Escutei à longe algumas vozes:

-          aqui está o vagabundo, o chefe ficará feliz...vamos rápido para o celeiro.......

--------------------------------------------------------Fim da sexta parte-------------------------------------------------------------

Andressa ainda acampada à sudoeste da cidade aguardava o grupo com o seu amado.

-          Andressa...Andressa.....
-          Olá Bastian...onde está Ruan? Vocês o pegaram?
-          Andressa, chegamos tarde. Ele nos percebeu longe e tentou fugir....
-          Tentou Bastian? como assim?
-          Tentou fugir, mas não conseguiu de um grupo de capangas armados que o pegaram....
-          Vi quando carregaram ele para a carroça....ainda peguei o lenço dele e alguns pertences que ficaram na estrada....
-          Carregaram? Como assim? O que aconteceu à Ruan????
-          Calma, Andressa, não acreditamos que seja nada de ruim, apesar da situação, mas ele estava vivo isso tenho certeza....mas o que quer que façamos agora? Deu tudo errado....
-          Errado....não. na verdade não......tudo está muito é certo meu caro......preste atenção ao que vai fazer......Vamos de volta ao acampamento, e expliquemos ao Igor a situação e vamos fazer o seguinte...!

Bastian ia prestando atenção às recomendações de Andressa. Ninguém poderia naquele momento imaginar o que aconteceria, nem mesmo eles. Os fatos que se sucederiam a partir daquelas ações seriam determinantes para o fim que se estava se aproximando de mim.

No acampamento Carla estava aflita. Algo em seu coração não estava bem. Algo a incomodava. Ela sabia que sua gravidez não seria bem vinda no grupo, pois pela tradição havia todo um ritual a ser seguido para que só então depois a união pudesse ser consumada com um fruto, um filho.  Sim ela estava grávida de seu amor, e tudo aconteceu de forma mágica, naquela noite. Já haviam passado quase 40 dias desde aquele encontro. Mas  seu desconforto não era sobre a gravidez. Por isso ela estava radiante desde que descobriu-se grávida de Ruan. Não cabia em si de tanta felicidade. Tanto que Mercedes, sempre muito atenta aos assuntos que me envolviam, logo notou algo de diferente em Carla.

-          Carla, pode me contar o motivo de tanta felicidade?
-          Como assim Mercedes? Não te entendo?
-          Carla notei que desde que voltou do encontro que teve com Ruan estás diferente. Mas viva, alegre....radiante.....o que aconteceu, não vai me falar?
-          Mercedes, não posso esconder mesmo nada de ti.....mas como foste por ti que fui encontrar Ruan naquele dia, e que ele mesmo me disse que deveria confiar apenas em ti e mais ninguém......espero que não se assuste, mas descobrir que estou a esperar um filho de Ruan.....
-          O QUE????? COMO ASSIM????
-          Mercedes por favor, fale baixo.....
-          Sim, mas Carla....como pode? como???..........naquele dia??? claro.......perai....já são mais de 4 semanas.....
-          Sim....não é maravilhoso....só temo pela reação de Ruan.....não sei o que ele vai pensar....
-          Não se preocupe....sei que ela vai amar...pois terá um filho da pessoa que ele tanto ama...não se preocupe....Por isso está preparando estes lenços? Vai realizar a festa dos lenços com Ruan???
-          Sim.....ele me pediu que adiantasse tudo....Igor me avisou....mas estou aflita pois já era para ele estar de volta!
-          Não se preocupe ele estará aqui....sabe como é meu irmão em relação a negócios....

Mas as coisas não estavam como deveriam estar e isso Carla pressentia. E tudo começou a ser esclarecido com a chegada daqueles andarilhos, com Bastian e Igor à frente. O povo estava em volta dos dois e o Burburinho foi alto. Até que minha mãe, amparada por Mercedes caiu em prantos. Mercedes com um breve olhar passou toda a situação à distancia à Carla, que notando a urgência, se aproximou de Igor.

-          Igor, o que aconteceu? Onde estás Ruan???? Porque ele ainda não voltou?
-          Carla.....ele foi assaltado no caminho....por uns desordeiros de alguma cidade. Estava voltando com as provisões e com dinheiro dos negócios que Ruan fez. Foi tudo muito rápido.....eles tentaram tirar o dinheiro e Ruan retrucou.....
-          SIM IGOR, MAS E RUAN, FALE LOGO???
-          Carla....Ruan está.....ele está morto.....Bastian chegou depois que tudo aconteceu, os desordeiros ainda levaram o corpo para a queima como fazem sempre ao capturar um Gintano...apenas nos restou a blusa que ele vestia e o lenço dele...manchados de sangue.......Carla....Carla.....

Neste momento Carla não escutava mais nada. Foi-se perdendo do mundo consciente, real ou imaginário, seria um pesadelo??? foi indo deixando-se perder no meio das vozes, dos olhares e de lágrimas. Ninguém reparou bem, apenas quando seu corpo bateu no chão. Todos tentaram a ajudar. Levando-a para dentro de uma das tendas para que se recompor. Ao longe, Andressa já estava levando seu planejamento à frente.

-          Pablo....olá.....porque estás tão aflito???
-          Não ouvistes a notícia, Andressa? Ruan foi morto...
-          Pablo, sei bem que estás preocupado com Carla.....vejo em seus olhos e já vi em teu caminho....
-          Que isso Andressa....Ruan a ama e tua sabes disso.....
-          Mas agora...ele não está mas aqui.....
-          Andressa para com isso...sabes muito bem que Carla nunca me escolheria...ela ama Ruan....
-          Sim... tens razão...ela nunca te escolheria, mas diante dos fatos....com o pai do filho dela morto, não achas que teu caminho à ela estás facilitado.............bastas reconhecer o filho que ela carrega como teu!
-          O QUE ESTÁ ME DIZENDO????????

............................................................................Fim da sétima parte.......................................................................


-          ACORDA......ANDA!!!!

O contato da água fria com o corpo sempre produz uma descarga elétrica, nos fazendo ficar atentos, alerta...voltar a consciência.  Não me lembrava bem o que acontecera, onde eu estava....e o que estava acontecendo naqueles momentos. Senti um gosto forte de sangue na boca. Ao tentar abrir os olhos, apenas o direito se abria com alguma dificuldade. Meu olho esquerdo estava apertado....sentia a pele inchada.

-          Acorda seu vagabundo....aquelas palavras sempre vinham seguidas de um soco.
Agora eu me lembrava do que estava acontecendo. Se me recordava bem, ao tentar fugir de uns desordeiros, fui pego facilmente por aqueles capangas. Perdi a noção de tempo, desde que cheguei onde estava, apenas me lembrava de apanhar e de dormir exausto. Algumas vezes me traziam uma sopa, insossa, mas que com o tempo passou a ter muito gosto, pois era o que eu tinha afinal. A refeição não tinha uma periodicidade para me ser servida, isso eu havia percebido, e a intenção era de me fazer perder a noção de tempo. Estava dando certo.
Na outra construção daquela propriedade as coisas não estavam tão melhores.


-          Mamãe, o que meu pai fez? Ele achou Ruan? Ele o pegou??
-          Natália, não sei minha filha. Seu pai não comenta dessas coisas comigo.
-          Mas mãe, eu preciso saber. Será que meu pai o matou mãe? Isso não por favor, eu o amo mãe, só de pensar nisso começo a ficar zonza.... falando isso Natália começou a não sentir mais as pernas e foi ao chão. Sua mãe desesperada pedia auxilio aos empregados da casa para que a levassem para seu quarto.
-          Carlos, vá à cidade e chame o doutor, preciso de ajuda com Natália .

Joana dava as ordens para o empregado ir com urgência à cidade e trazer o médico para que averiguasse o caso de Natália. Ela já suspeitava do que seria, mas queria um diagnóstico do médico. Caso se confirmasse o que ela temia, as coisas piorariam de vez ali.
Dentro de aproximadamente duas horas Carlos retorna com o doutor Henrique à porta. Jovem moço, que escolhera as cidades do interior da região para exercer suas funções e assim aprender mais ainda. Chegou àquela cidadezinha, por indicação de seu Tio, que durante muito tempo teve comércios por aquela região. Assim como muitos, logo percebeu Natália. Porém esta nunca dera  espaço a ele. Por isso, qualquer noticia de uma necessidade de Natália era fato para que o Doutor Henrique largasse qualquer coisa para ir atende-la.

-          Doutor Henrique, que bom que pode vir de imediato!
-          Claro Dona Joana, fiquei preocupado quando Carlos me disse que Natália não estava bem. Mas me conte a quanto tempo ela vem apresentando o quadro....

Joana foi detalhando o que observara, desde quando percebeu os desmaios e enjôos diários. Não quis ir mais à diante esperando uma análise do Médico.
Henrique ficou por quase 20 minutos com Natália.  Seu semblante mudou, de quando entrara  e a viu deitava. Seu sorriso e satisfação de estar ajudando quem ele tanto se importava foi-se alterando para um misto de frustração e tristeza. Ao sair não sabia como reagir. Teve que voltar de onde estava pois Dona Joana o esperava aflita, à saída do quarto.

-          E ai doutor? O que Natália tem? Ela vai se recuperar?
-          Dona Joana...não sei como dizer, mas Natália não tem nada grave....
-          Mas então como isso é explicado? Estas tonteiras, desmaios, sempre que fica mais nervosa  e esses enjôos?
-          Dona Joana, Natália está Grávida!!!!!!!!!!

----------------------------------------------------------Fim da oitava parte-----------------------------------------------------



-          O QUE ESTÁ DIZENDO ANDRESSA? REPITA!!!! Pablo pegou Andressa pelo braço, de forma bruta a levando para atrás de uma das tendas para que ninguém os escutasse.
-          Que Carla está Grávida!!
-          Como sabes? De quem és o filho?
-          Ora Pablo não és tão ingênuo assim. De quem mais pode ser???
-          RUAN.....
-          Sim, de seu amigo, RUAN......
-          Então não tenho mais nada para ofertar à Carla. Ela já selou seu caminho....
-          Pablo...me escute...Ruan e Carla iam se aceitar, um ao outro, na festa dos lenços que estava programada.....mas RUAN está morto...sabes qual será o destino de Carla estando Grávida sem seu Barô?
-          Será banida do clã....deixada à própria sorte
-          SIM...o que acha que acontecerá com ela.....sabes bem como ela é frágil.....
-          Certamente não suportará tudo isto......
-          Então Pablo...pense....
-          Mas Andressa...não posso fazer isto à memória de Ruan!!
-          Pablo quem mais Ruan confiaria para cuidar da mulher que ele amava e do filho se ele não pudesse mais voltar?? Quem PABLO? É claro que Ruan gostaria que quem estivesse ao lado de Carla fosse alguém da sua confiança e que a amasse, claro! Quem é este?
-          Sou eu! Eu a amo mais do que tudo.....e sempre confiamos muito um no outro, eu e Ruan sempre fomos assim!!!
-          EXATO!!!
-          Mas Carla não aceitará isso....
-          Calma Pablo...a dor e a solidão mudam uma mulher grávida!!!! Olhe se me escutar tudo acontecerá como deve acontecer, apenas confie em mim!!!! Preste atenção o que deve fazer.....

Andressa explicava à Pablo como ele deveria agir dali para frente com Carla, a ajudando, estando próximo, sendo sempre alguém à vista dela. Nunca disputando com Ruan, sempre respeitando o sentimento que ela tinha por ele, pois no mais tardar em mais 3 meses ela teria que se decidir pois não poderia mais esconder de todos a barriga. E se tudo acontecesse como ela planejava, em 95 dias no máximo ela tiraria Carla de vez de seu amado Ruan. Assim Pablo começou a seguir as instruções de Andressa, se aproximando e se tornando cada vez mais próximo de Carla, inicialmente compartilhando a dor que ambos tinham pela morte de Ruan. Ao se passarem 70 dias exatos, Carla confessou algo a Pablo.

-          Carla, o que faz aqui debaixo desta árvore que tantas vezes brincávamos??
-          Tentando matar um pouco a falta que ele me faz Pablo....
-          Eu sei Carla, mas precisa ir em frente. Ruan sempre nos ensinou que antes das emoções precisávamos pensar e ai depois sim deixar as emoções aflorarem....
-          É...ele sempre dizia isso, mas.....
-          O que foi Carla?
-          Mas Pablo....carrego dentro de mim a essência de Ruan...um filho que cresce à medida que apenas a lembrança dele permanece em mim.....
-          Você está grávida de Ruan???
-          Sim...por favor....não me recrimine.....
-          NUNCA! Tens meu apoio incondicional.....
-          Te ajudarei com ele....
-          Acho que não será preciso, pois assim que souberem da minha gravidez serei banida.....
-          Não eu não permitirei isto de forma alguma
-          Ohhhh Pablo que gentil da sua parte, mas é algo já certo em meu caminho....
-          Não Carla, olhe, me escute por favor, e pense um pouco. Se outro assumir este filho como dele e você aceitar o lenço deste e dar sua pedra à ele, numa festa de lenços, você não precisará partir e com o tempo poderá ficar em paz com seu filho.
-          Mas quem aceitaria isso de tão bom grado???
-          EU!!!  Ao falar Pablo se dirigiu ao encontro de Carla que muda aceitou o beijo de Pablo, mas ao lembrar de Ruan o afastou subitamente!
-          Desculpe Carla. Eu te amo!! Não posso mais esconder isto de você. Amo-a tanto que aceito este filho como um presente, da mulher que amo e do homem que mais confiava e sentia como a um irmão. Não aceite o que o destino tem para ti...a solidão, tu não mereces! Permita-me fazê-la feliz......
-          Pablo....eu.......eu não sei o que dizer.......eu....
-          Não digas nada ainda! Apenas pense, com calma. Amanhã, neste mesmo horário e lugar você responde. Fique tranqüila, e apenas pense!

Pablo estrategicamente se retirou deixando Carla estupefata e ao mesmo tempo desarmada com tais atitudes.  Não poderia imaginar que Pablo nutrisse algo por ela.
No dia seguinte, no mesmo horário e no mesmo lugar, Pablo chegou, já encontrando uma Carla agitada e aflita.

-          Carla? olá.....como está?
-          Muito aflita.....não conseguir pensar em mais nada desde ontem!
-          Que bom, então já tem uma resposta para me dar?
-          Pablo, olha, sabes que não amo você...sabes que ainda amo Ruan?!
-          Sim, Carla sei perfeitamente disso!
-          Então? Como podes querer ainda assumir um filho que não és teu e ainda se comprometer com quem não te amas?
-          Carla, não posso, ainda mudar o que sentes, por enquanto sei que terei que ter paciência. Eu a amo, e posso muito bem amar esta criança que esta dentro de você!!!
-          Mas Pablo....
-          Não Carla, não há tempo para mais nem para menos. Nada pode nos garantir acertar nas nossas escolhas, mas sei bem que se não fizer isto por ti e deixá-la à própria sorte, não estarei sendo fiel ao que sinto e nutro por ti, e serei infeliz por isso!
-          Tens razão....mas precisara ter calma comigo.....
-          Não se preocupe, tive ate hoje não foi?

Pablo se aproximou de Carla e com um beijo selou seu acordo. Marcaram a festa dos lenços para dali a 15 dias, onde finalmente ela seria definitivamente sua.
Andressa ao saber de tudo, por Pablo, conteve-se à principio e desejou apenas felicidades, com a desculpa que só queria que a irmão fosse feliz. Depois estando sozinha, ela se alegrou, tendo a certeza que agora não haveria mais barreiras entre ela e eu.

--------------------------------------------------------------Fim da nona parte--------------------------------------------------------


Eu já não fazia idéia de quanto tempo já havia se passado desde que eu  estava ali naquelas condições. Na verdade, chega um momento em que perdemos qualquer noção de realidade. Nas muitas vezes que fiquei inconsciente lembro-me vagando, por uma planície, cheia de flores. Estava sol, mas não era quente, pelo contrário, era extremamente agradável. Eu, mesmo sem saber que lugar era aquele, me sentia tranqüilo, sereno. Lembro bem de uma árvore frondosa que encontrava no meu caminho. A sombra existente era convidativa. Me lembro de estar sentado e perceber vindo em minha direção uma moça. Era tão linda, com olhar tão sereno e calmo que não me senti ameaçado nem desconfortável. Era como se já a conhecesse. Seus passos  eram firmes e ao mesmo tempo transmitiam leveza.

-          Olá Ruan, como se sente?
-          Como sabes meu nome? Quem és?
-          Me chamo Andreia.
-          Olá Andreia, onde estou?
-          Ruan, onde estamos não é importante agora, mas sim o que vou lhe mostrar.
Falando isto Andreia tocou levemente minha testa, entre minhas sobrancelhas. De imediato, imagens apareceram à minha frente numa velocidade incrível. Eu não podia explicar o que era aquilo, apenas perceber as imagens, cenas que se formavam e incrivelmente sentimentos vinham à tona.

Percebi um homem, muito bem vestido, com roupas de um fidalgo, porém mais antigas. Parecia até um Rei de tanta pompa e luxo que ele possuía. Era uma sociedade onde haviam muitos luxos e pessoas importantes. Vi uma festa acontecer. Algumas pessoas se destacavam nela. Este homem, o dono do local. Dois amigos inseparáveis dele, também muito pomposos. Estes sempre ao lado do homem, conversando coisas e planejando...alguma coisa. Sorriam fugazmente a cada palavra entoada. O homem, ao meio, apenas sorria, concordando com as futilidades que eram colocadas. Seu olhar ia distante. Ele percebia as mulheres que estavam no local. Separava mentalmente aquelas que ele já havia “conhecido” das que ainda não. Das que ela já conhecera, uma sempre estava ao seu redor. Grande, bonita e até extravagante, a mulher não poupava atitudes para ter a atenção daquele homem. Ele muito a contragosto, enquanto não percebia outra mais interessante, se distraia com ela. Os tais amigos deste homem não se intimidavam com o oferecimento desta senhora ao homem. Eles participavam do cortejo. De repente os olhos do homem brilharam ao perceber uma desconhecida, naquele ambiente. Era ela, realmente quem ele mais aguardava a chegada. A muito tempo ele estava à cortejar, de forma mais respeitosa possível, aquela desconhecida. Fora um batalha conseguir sua confiança à ponto de levá-la ate aquele evento. Sua família, também, nova na cidade não dava espaço à qualquer homem que se aproximava da jovem moça. Para isso ele teve que fazer-se interessado em negócios com o patriarca daquela família e ate perder algum dinheiro para enfim conquistar a confiança de todos. Mas nada disso mais importava. Ela estava ali. E agora era colocar o plano em ação.  Ao recebê-la na entrada, fez questão de deixar que todos ali percebessem a sua preferência. Durante alguns minutos desfilou com seu bibelô pelo salão, embriagando-se com os olhares de inveja e desejo que tanto homens quanto mulheres direcionavam à eles.
A outra, a mulher mais despojada, sentiu-se dispensada, como um nada. Mais isso parecia não importar pois ela conhecia bem aquele homem, do que ele gostava e como ele agia. Muitas já haviam sido feitas de bibelô como aquela e no fim eram simplesmente largadas como um brinquedo velho deixado após o tédio. Outras não conseguiram agüentar tudo que acontecia no calar da noite e partiam chocadas. Ela era a única que depois de ter sido “provada” e cuspida, mostrou-se sem limites o que a deixou em posição de poder estar sempre por perto dele.
Além disso ela sabia de muitos segredos dele, como ele agia, seduzia, conseguindo o que quisesse, de quem quer que fosse.
No meio do salão, após uma dança típica, ele, o Homem, olha para seus amigos e com um balançar de cabeça dá a senha para o inicio da parte particular da festa. A jovem moça não desconfia, mas já bebeu algo que propositadamente foi colocado em sua bebida para que ela ficasse mais “aberta” à nova etapa que aconteceria.
Os amigos e alguns convidados, escolhidos à dedo sobem para a parte “reservada” da festa.  Depois de uns minutos, o Homem com sua convidada especial sobe atrás. No corredor que os leva á sala principal daquela festa reservada, a visão é indescritível. Um ambiente de luxuria que nunca havia visto antes. O cheiro que exala daquele corredor parece preparar quem passa por lá para o que está preste à vir. No caminho, mulheres nuas se entrelaçam, quase formando um ser apenas, gemidos, gritos e sussurros. Aqueles que ainda não estão nus são atacados pelos outros, numa fúria sedenta de prazer, roupas são arrancadas, rasgadas. Urros são escutados vindos de todos os cômodos existentes ao longo do corredor. Homens com mulheres, com homens, mulheres com mulheres, com dois homens. Sons de tapas, de gritos, de choro, alguns têm lágrimas nos olhos, mas tudo reflete apenas a loucura pelo prazer descompassado.
À medida que o homem passa, aqueles que estão pelo caminho param e admiram. As mulheres tentam, sem sucesso com suas performances chamar atenção dele e até alguns homens também. A certa altura um homem e uma mulher vão na direção da jovem moça, que apenas sorri muito a cada cena que percebe, lançam-se para tentar rasgar todo o vestido que ela ainda esta vestida. A atitude faz com que a moça fique apenas com os seios à mostra, pois o Homem num gesto rápido empurra a mulher e com um soco desacorda o homem.  Por incrível que pareça a cena de violência deixa os outros mais vorazes de sexo, provocando que os urros aumentem sensivelmente. O Homem repara aqueles seios tão bem formados, de tamanhos médios, brancos como a luz da lua com auréolas e bicos levemente rosados. Mas a moça não está mais a sorrir apenas se cobre envergonhada. Ele retira seu paletó, de um azul forte, chamado à época de Encharpam  e cobre a moça semi nua. Ao fim do corredor, na sala principal, os dois amigos estão a se lançar sobre uma outra moça que atônita apenas cede aos avanços dos senhores. A mulher, despojada como sempre, está totalmente nua, apenas com umas sandálias, um lenço no pescoço e uma taça de vinho. Está sentada em frente ao corredor apenas a espera do seu senhor, como ela o chama naquele ambiente. Ela como uma cadela no cio, vai em direção ao Homem e à jovem moça e começa a ronda-los como a sondar o brinquedo que será ofertado. Passa de leve a mão sobre os braços cruzados da jovem moça, que de cabeça baixa, não ousa levantar os olhos. A Mulher está  à espera de um gesto de seu senhor, para então agir. O Homem observa o ambiente a  cena da mulher envolta da moça. Ele se delicia com o momento precedente ao que iria acontecer, ao seu controle, é claro. Com um olhar ele autoriza a mulher a agir. Ela com delicadeza, fala umas palavras ao ouvido da moça que fica rubra e solta um sorriso descompassado. Seu coração a denuncia, assim como os bicos do seios, levemente endurecidos. A mulher então com o braço envolta da cintura da jovem a conduz para o quarto principal, no lado oposto desta sala. Todos naquele ambiente acompanham a cena com os olhos. À medida que a mulher vai conduzindo à jovem ao quarto, vai despindo-a, peça por peça, como se fosse um ritual, extasiando o Homem que à distancia controla tudo com seu olhar. A alguns passos de entrar no quarto, a jovem toda nua, já exprime, pela sua respiração ofegante e descompassada seu medo e êxtase descontrolado pelo que a aguarda. As duas param antes de atravessar o portal. A mulher, como que por instinto, ficando ombro a ombro com a jovem, porém, se postando de frente à esta, inclina o pescoço para o lado, para observar o Homem, postado exatamente atrás, à distancia das duas. O Homem com olhar fixo com um leve balançar de cabeça autoriza as ações seguintes. Ele estica os braços, perpendicular ao seu tórax.  Todos no recinto avançam em sua direção, menos as duas, que permanecem onde estão. A ansiedade demostrada nas ações daqueles que estão na sala é digna de animais. Uma avalanche avança em direção ao Homem que à distancia, ainda guarda o olhar fixo no corpo da jovem, de costas, nua, e no olhar da mulher que parecem-se desafiar um ao outro. Ela treme ao ver a aproximação dos outros em direção à ele, e ele, ele fecha os olhos  e inclina a cabeça para cima. Suas roupas são arrancadas, rasgadas, num frenesi, de mãos, bocas, dentes, línguas, e unhas. Após estar nu, ele emite um som, alto e reconhecível de repugnância, pois não agüentava mais ter seu corpo tocado daquela forma. Desta forma afasta todos com um movimento dos braços; forma-se um semi circulo com ele, nu, ao centro, olhando fixamente para o corpo nu da jovem moça. Sua respiração está ofegante, sua saliva escore no canto de sua boca, como um predador saboreando sua presa antes da atacá-la. Seu corpo é definido e bem moldado. Ele começa a se mover, passo a passo. A mulher fala novamente no ouvido da jovem moça. De imediato ela reage descompassadamente suspirando e solando pequenos sons, como gemidos. A mulher, ainda olhando para o homem, de frente para a jovem moça começa a passar a língua pelos ombros da jovem.
Há um som no ambiente, vindo dos outros. “uh uh uh uh uh uh uh”, ditando os passos do homem. Os outros, que já ficaram para trás, como se iniciassem um ritual de vida, de acasalamento, de morte, mantém-se com o som, aumentando a cada passo dado pelo homem, e ao mesmo tempo vidrados com a cena. A mulher, lambe a pele da jovem como a preparar para o seu dono, dando-lhe um banho de língua. A jovem já não controla suas ações, seus pensamentos estão confusos, ela treme, mais quer continuar com o que acontece; sente um magnetismo àquele homem como a nenhum outro. Ele é seu dono e ela é sua em todos os aspectos. Ela percebe a aproximação do seu senhor. É como se pudesse já sentir os pelos do corpo dele a encostar no seu, mesmo ele distante, como se sentisse o calor que emana do corpo dele a envolver e dominá-la. Ela virgem, pura, agora pronta para ser “selada” pelo seu dono, seu homem, seu macho.
De repente os outros silenciam. A sala cala-se próximo do encontro dos corpos. Apenas houve-se um turu...turu...turu, são os batimentos cardíacos dos dois em harmonia. Pronto, a união já está próxima, os sons em ritmo do músculo cardíaco demonstra que a alma de um já entrou no compasso da outra; da fêmea à espera do macho, do polo positivo ao seu negativo, de receber seu outro, de aceitar e envolvê-lo com todos seus músculos, pele, suor, olhar, gemidos, salivas e lágrimas. Ele se delicia com este momento precedente. Não tem pressa, apesar de seu apetite voraz. A dois passos de estar nela, ele olha para a Mulher e com um simples olhar ordena que pare. Ela, sempre atenta, para e com dois passos para trás, submissa, se coloca em sua posição. O que se seguia a seguir surpreendeu todos no local, inclusive a mulher. O Homem, após tocar o corpo da jovem com o seu, encaixando-se, e beijando sua nuca, passando suas mão pelo contorno, seios, anca, colo, pernas, a pega pelos braços e a leva para o interior do quarto fechando as portas, grande, a sólidas, para que ninguém participasse. Isto era incomum, todos argumentaram, pois era comum ele a desflorar ali, na frente de todos, entre beijos, tapas e sua força bruta. A mulher preocupou-se. Todos se acotovelaram à porta para ouvir, Não havia sons de tapas, choros, dor, êxtase. Ao contrário, silêncio, beijos, gemidos e satisfação. O interesse dos outros perdeu-se com os minutos, mas não da mulher. Ela estava transtornada em ficar de fora e de não entender o que ocorrera. Lágrimas brotaram de seu olhos verdes. Sua maquiavam desmanchou-se. Transformou-se numa colombina triste. Deixou-se cair encostada à porta; adormeceu. Acordou com um supetão ao ouvir a porta se abrir. Era ele, imponente como sempre, a olhar na sua direção. Ela esperava um gesto, algum dele para ela. Talvez convidando-a  a fazer parte. Ele olha para dentro novamente. Ele já está vestido impecavelmente de novo. Ao retornar o olhar para ela, seus olhos estão amedrontados, frágeis, juvenis. Ele olha para dentro de seu carpejan. Retira algo. É um envelope selado com seu brasão. Ele continua com o ritual, mesmo estando diferente. Se ela não se engana há dentro do envelope uma frase. Única. Capaz de acabar com as esperanças de quem é endereçada. “ O ontem já se foi...o amanhã ainda será...o hoje....só posso agradecer pelo ofertado”. Se alguma tinha a pretensão de insistir, nunca mais o veriam ou o teriam.
Ele entrega e pede que a mulher coloque na jovem quando a deixa-la à porta de casa, ainda naquela madrugada. Com um gesto ordena que todos se retirem, inclusive a mulher.
As cenas que se seguem são dolorosas e incompreensíveis. A jovem sendo descoberta pelo pai., desespero dela, dele, da mãe, dos irmãos.  O envelope, ainda lacrado e notas de dinheiro junto ao envelope. Dor, frustração, angustia a dominam. Ela guarda dentro de si as palavras dadas por ele naquele leito, quando estavam à sós. Lembra dos olhos dele no momento em que ela era “descoberta” por ele, das lágrimas e do beijo. Não era possível que fora o mesmo homem que fizera aquilo. O pai a toma pelos braços e a leva, violentamente àquela propriedade para cobrar explicações.  Encontram o Homem   no jardim, com a Mulher, agora com o porte de uma dama e seus dois amigos, dois verdadeiros cavalheiros. O pai esbaforido, com a filha nas mãos cobra uma explicação para o fato, sacudindo o maço de notas que estava junto com o envelope, este de posse agora da Jovem sem que o pai saiba. O Homem escuta o que o senhor grita e ao ver as notas leva os olhos à mulher que com um leve sorriso demonstra ser sua obra.
Ao final, percebendo que o senhor parara de gritar, talvez para pegar ar, o Homem se levanta e sem demonstrar alteração, vai na direção dos dois. O senhor aguarda. O Homem dirige-se à jovem. O Senhor tenta afasta-la. Não consegue. Ela o quer, e desvencilhando-se do pai fica livre para a aproximação. O Homem fica à frente da jovem e balbucia uma pergunta: “Diga-me milaide, foi forçada a alguma coisa que não quisesse enquanto esteve em minha propriedade?”  Sua voz grossa e marcante quase a deixava sem ar. Ela deliciava-se ao ouvi-la novamente em sua direção. “ Então minha cara, tudo que aconteceu aqui foi sem seu consentimento?”,  o Homem volta a insistir, chegando mais perto da boca da jovem, deixando-a em frenesi. Ela, inteiramente dominada pelo seu senhor, que era facilmente reconhecido à sua frente, só conseguiu gemer uma palavra: “não...”. A mulher e os dois amigos novamente estão em estado de êxtase, com suas respirações ofegantes. O Pai, desesperado com a cena, puxa a jovem de volta para perto dele e vendo que era inútil a tentativa, arranca em direção à saída com a filha. A jovem, não consegue tirar os olhos do seu senhor, e num movimento súbito se solta de seu pai e volta caindo aos pés do Homem. Pronto, estava feito. Ele tem um sorriso no canto da boca. “Meu senhor sou tua, não me deixes sem teu cheiro, teu olhar, tua saliva, teu hálito, teu suor....me faz tua escrava....” A sentença estava dada. Os convidados do Homem, já se acariciando contemplavam a cena. O Pai, vendo a subjugação da filha, parte de volta e a arranca dos pés do homem, levando-a a tapas e pontapés de volta à sua casa. O Homem dando de ombros, volta a sentar-se com os convidados, mas algo está diferente nele, pois ele volta a cabeça para trás a olhar para a cena do pai carregando a jovem para fora de sua propriedade.
Os dias  se passam, semanas, e o homem não tem mais o mesmo ímpeto para as orgias sempre bem vindas naquele lugar. Ele não sai do parapeito de seu quarto a contemplar a lua, todos as noites. Seu  peito está apertado e ele não se reconhece.
Num dia de manhã, recebe novamente seus comparsas para uma chá, no jardim. Futilidades são faladas. Ele esta tentando ser natural. De repente um grito. Vem do seu aposento. Ele corre naquela direção. Uma de suas empregadas sai apavorada do quarto. Ele entra. Apenas percebe um lençol amarrado as grades do parapeito. Aquele mesmo que antes envolvera o corpo daquela que o havia tocado de um jeito diferente, agora, estava em volta do pescoço da jovem moça, sustentando seu corpo, já sem vida, para fora da janela do quarto. Ele a puxa de volta, acreditando ainda poder salvá-la, salvar-se a si mesmo. Era tarde. Sua condenação veio da mesma forma que sua salvação. Ela de corpo semi nu, já pálida, demonstrava a sentença que era dada ao coração do Homem.
Amarrado ao seu pulso, o bilhete que ele endereçava naquele envelope, com aquelas palavras: “ O ontem já se foi, o amanhã ainda virá, mas o hoje estará para sempre guardado dentro de mim pois  encontrei você!”.  Ele a abraça e chora compulsivamente, deixando-se ser quem ninguém nunca conhecera, grita, implora, mas nada pode mudar o que estava frio e sem vida em seus braços.
As cenas aceleram, solidão, abandono, loucura é o que resta naquela propriedade. O Homem se isola de tudo e todos, vendo, ouvindo, interagindo a cada minuto com ela, que insiste em estar ali, como ele mesmo diz. Está irreconhecível, barba e cabelos grandes, roupas mal trapilhas. O lugar também deixado por todos reflete a energia que vem do dono.
As cenas vão sumindo aos poucos, enquanto o vejo deitado próximo ao para peito de sempre.
A voz de Andreia também vai sumindo.....
-          Lembre-se... recebes exatamente o que plantas, na medida do necessário e oportuno. És o leme que traz os resultados que hoje colhes......e que ainda colherás


-          ANDA ACORDA!!!!!!!
O contato da água fria com o corpo sempre produz uma descarga elétrica, nos fazendo...voltar a consciência.


--------------------------------------------------------Fim da décima parte-----------------------------------------------------------

-          Grávida Doutor Henrique......Que Deus nos ajude....Antenor vai fazer uma besteira.
-          Como assim Dona Joana? Teme pela vida de sua filha?
-          Não, não por ela, mas pela vida do pai desta criança?
-          Ma quem é este?
-          Aquela Gadjo que andava na cidade
-          Aquele que ajudou seu Antônio?
-          Sim exatamente! Ele é um cigano pelo que sei
-          Um Cigano.....mas seu Antenor tem verdadeira ojeriza por este tipo de pessoa...
-          Pois é.....não sei o que fazer.....
-          Olha Dona Joana sem querer me intrometer, mas acho que posso ajudá-la.....preste atenção.....

Henrique percebia oportunidades quando as via. E geralmente não as perdia. Assim ele foi explicando tudo à Joana.
Dois dias depois, Natália estava melhor e já se preocupava em ter noticias. Joana foi ao quarto para ter uma conversa definitiva com ela.

-          Minha filha, como estás?
-          Ótima mãe, deve ter sido só a tensão...preciso levantar e descobrir  noticias de Ruan!
-          Espere precisamos conversar....Eu sei onde ele está...
-          Onde mãe, me conte!
-          Natália, antes, preciso te explicar algo! Teu pai irá com certeza matá-lo!
-          Como assim? Ele disse isso?
-          Não!
-          Mas como sabes então?
-          Minha filha como acha que seu pai reagirá quando souber que a filha dele espera um filho de um vagabundo, de um cigano?
-          O que? Como sabes?
-          Doutor Henrique veio aqui enquanto estava desacordada....
-          Mas....como.....
-          Preste atenção! Posso ajudá-la, mas precisamos agir rapidamente. Já preparei uma carroça onde Carlos o levará para onde quiseres. Seu tio Antônio o ajudará, mas...
-          Mas o que mãe?
-          Você terá que desistir dele e se casar com Henrique!
-          COMO ASSIM????
-          Depois que conseguirmos tirar este cigano daqui e dar um sumiço nele, quando seu pai descobrir que está gravida, vai enlouquecer, por isso, deves casar com o Doutor,  que está muito feliz em ajudá-la.
-          Mas ele? Eu não.....nunca...nunca mamãe.....
-          Minha filha pense um pouco...prefere ver o pai do seu filho morto, e ter que conviver com isso e com seu filho, ou prefere ter a certeza que ele está vivo e criar seu filho com uma boa educação e bem?
-          Mamãe eu amo RUAN........eu não conseguirei Falando isso, caiu na cama com as mãos nos olhos chorando. Só de imaginar-se longe de mim e convivendo que aquele médico, se desesperava.
-          Se o Ama mesmo.....fará o que disse! Mas precisa se decidir hoje ainda pois está tudo preparado para esta noite, não pode passar desta noite. Voltarei aqui mais tarde para saber tua resposta!

Natália não sabia o que fazer. Debilitada como estava, sabia que precisava se cuidar para a gravidez, isso a impedia que agir por conta própria. Pensou em mim, nos momentos que passamos juntos. Traçou um plano. Iria aceitar a oferta de sua mãe, mas, assim que eu estivesse livre ia de encontro ao meu encontro, e assim ao contar sobre a gravidez, poderíamos viver juntos, longe dali, claro.

-          Então minha filha, já tens uma resposta?
-          Sim minha mãe! Concordo com tudo que me pedires, só peço que ao resgatá-lo levem-no, para que restabeleça, pois deve estar muito mal, para aquela caverna que eu brincava quando era pequena, na região das falácias.
-          Isto não será problema. Darei as recomendações a Carlos. Fique aqui, para que seu Pai não desconfies. Pela manhã ele estará salvo!

 Joana foi na direção de Carlos, seu empregado de confiança.
-          Carlos, está tudo pronto com Antônio?
-          Sim Dona Joana, ele está no celeiro só aguardando a mudança de vigias. Assim que acontecer vai agir e eu estarei esperando por ele com a carroça.
-          Ótimo, peça à seu filho Sebastião que vá no acampamento daquele povo, e entregue esta carta à qualquer um lá! Peça que ele vá o mais rápido que puder!
-          Sim, farei isso agora!

Carlos despachou seu filho que rumou para área indicada por Joana. Sebastião era um hábito cavaleiro e ida até o local foi na metade do tempo que os outros  levavam. Ao chegar à entrada do clã, avistou a primeira tenda e percebeu uma moça do lado de fora a contemplar a Lua. Era Andressa. Ao perceber um vulto se aproximando, pegou seu punhal e se preparou!

-          Moça? Podes me ajudar?
-          Quem é? O que queres? Não sabes o perigo que corres?
-          Sim sei, mas sou um mensageiro. Trago uma mensagem, uma carta.
-          Deixe-me ver.....à medida que ia lendo seu rosto se iluminava.....
a quem posso interessar. A vida do Cigano chamado RUAN corre perigo. Estaremos deixando-o para que seja resgatado na caverna que existe no monte Antor, na região das Falácias. Venham rapidamente!”
De um salto Andressa, pegou umas provisões e montou em seu cavalo. Era excelente Amazona e não tardaria a chega ao local indicado.
Carlos já aguardava Antônio que com muita dificuldade me arrastava até o local planejado. Depois de me colocarem na carroça rumaram para o lugar combinado. Após se instalarem no local, tratarem meus ferimentos, Antônio se despediu e voltou para a fazenda, para não levantar suspeitas. Carlos, então estava a me velar quando percebeu um movimento fora da caverna. Eu muito debilitado nem conseguia ergue meus olhos para ver algo.

-          Quem se aproxima??
-          Eu vim à procura de Ruan, conforme esta carta que me foi entregue!
-          Sim, sim....mas o que és dele?
-          Sou sua mulher. Somos um do outro. Onde ele está quero vê-lo!
-          Ali. Apontou Carlos. Andressa foi na minha direção.
-          Ruan meu amor. Que saudades. Meu Deus como estás abatido. Vou cuidar de ti!!  Andressa falou isso colocando minha cabeça em seu colo.
-          Carla és tú? Devido ao estado de inchaço dos meus olhos não conseguia abri-los. Mau conseguia falar.
-          Sim meu amor...estou aqui, acalma-te
-          Bem já que a senhora agora esta aqui, voltarei para a fazenda. Daqui para frente é com a senhora!
-          Obrigada, muito obrigada meu senhor!

Carlos já estava na sadia da caverna quando ouviu um chamado, baixo.

­-      Carlos, Carlos, aqui...
-          Dona Natália, o que fazes aqui?
-          Vim ....bem não importas mais. Me diga como ele está?
-          Olha, não sei dizer ao certo, mas se sobreviver será milagre.....ele tá lá...com....
-          Eu sei! Eu escutei. Sei quem é! Torço para que sejam felizes então! Vamos embora daqui! Com a voz embargada Natália se despediu de mim, ao olhar para a luz que saía da caverna. Estava selado o destino.

Após 2 dias, e de uma mudança de lugar a fim de preservar-nos eu já estava melhor e pelo menos já enxergava novamente com um dos olhos. O Outro improvisei um tapa olho a fim de ajudar na recuperação pois a luminosidade me incomodava muito.

-          Andressa o que aconteceu? Pouco me recordo....
-          Ruan, não sei muito mas o que sei te explicarei....Andressa começou a contar os fatos, pela sua visão para que Ruan se inteirasse, como ela queria. Explicou o ocorrido sobre como ficou durante quase 80 dias sumido. Sobre a noticia de sua morte, o desespero de todos e sobre Carla. As lágrimas saiam de meus olhos neste momento. Saber que Carla nem esperava para confirmar minha Morte me abalou muito, ainda mais depois que soube que se unira a Pablo e já estava grávida.
-          O QUE??? Como pode??? Vamos, quero ver isto tudo de perto...vamos voltar!!!
-          Ruan, não podemos. Acabou, vamos seguir daqui!!!
-          Nunca! Vou Voltar
-          Ruan cuidado então. Pablo é outro desde que se uniu a minha irmã. Temo pela sua vida. Minhas cartas me alertaram sobre o sangue que correrá do encontro de vocês, cuidado por favor. Se vai voltar, tudo bem, irei contigo, mas fique com meu punhal só por garantia, por favor, te imploro!!
-          Não acredito nisso, mas me dê aqui este punhal.....vamos não percamos tempo!!!!

A lua ao alto iluminava o nosso caminho em direção ao clã. Porém não tínhamos a idéia aonde os acontecimentos nos levariam.  Aproximação dos cavalos ao acampamento me  faz relembrar  as inúmeras vezes que, distante, sonhava no dia que retornaria. Nunca imaginava que seria com aquilo dentro do peito.


----------------------------------------------------Fim da décima primeira parte--------------------------------------------------



Uma movimentação atípica chamou atenção de Mercedes. Minha irmã estava sem conseguir dormir depois de tantos acontecimentos. Desde de minha saída do clã, tudo se modificou. Com a morte acidental de meu pai, fato este que ocorrera a apenas 3 semanas atrás, ela teve que ajudar que minha mãe mantivesse o clã unido visto que com a noticia de minha morte o desespero tomaria conta de todos, e naturalmente cada um tentaria manter-se por si. Mas pelo menos Carla teria um filho, meu filho, herdeiro direto e com sangue que poderia assumir a liderança do clã, logo que estivesse pronto. Ao perceber aqueles dois se aproximando do clã temeu o que ainda poderia acontecer. A velocidade, àquela hora, no amanhecer, dos cavalos, indicava que a situação era urgente.

-          Ruan? Ruan? MEU DEUS RUAN é você???? Que Santa Sara me ajude......RUAN!!!!
-          Mercedes, que bom!! Como estás minha irmã?
-          Bem, Bem, mas achamos que estava morto Ruan, como podes?
-          E.... quase minha irmã, quase, mas deixemos isto para lá! Onde está Papa e mamãe?
-          Ruan Papa, teve um acidente com o cavalo, quando tentava consertar a barragem......ele não resistiu!
-          Como? Papa morreu? E eu onde estava Deus meu???? Minhas lágrimas já tão represadas por tudo que acontecera não suportou mais aquilo. Abraçado à Mercedes, não tive com as segurar. Andressa, que vinha logo atrás estava a alguns passos percebendo tudo.  Quando minha mãe me encontrou, nos abraçamos, eu, ela e Mercedes nos abraçamos e deixamos a emoção transbordar. A movimentação ia aumentando à medida que todos iam se apercebendo do que ocorrerá. À longe um casal vinha de mãos dadas. Engraçado como nesta horas percebo o destino agindo. De um vez, os três, o casal e eu cruzamos os olhares. Era Pablo de mãos dadas à Carla, que tinha o lenço dele amarrado ao seu braço. Apesar de estarmos um pouco distantes um do outro, aproximadamente uns 100 metros, ela percebeu meus olhos olhando para o lenço em seu braço, amarrado. Como que automaticamente, Carla ao perceber meus olhos colocou sua mão direita em cima do lenço, que estava amarrado em seu braço esquerdo. Estremeceu, todos nós estremecemos.


-          MEU DEUS....É RUAN!!!!! ELE ESTÀ VIVO!!!! COMO??????
-          Carla, calma, calma, tudo tem uma explicação......
-          PABLO??? NÃO PERCEBES??? RUAN ESTÁ AQUI, DE VOLTA, COMO PROMETIDO.......
-          Carla...sim...mas olha.....vamos primeiro saber o que aconteceu....
-          O QUE ACONTECEU??? É QUE ELE ESTA AQUI, VIVO E EU...............MORTA!!!!!!  Carla fora muito dura ao fazer o comentário e Pablo sentiu o golpe, tanto que largou sua mão. Ela ao se tomar pela a emoção começou a imaginar  como reagiria em frente à Ruan, sendo ela agora de Pablo. E aquela barriga, não tinha como escondê-la, e todos ali já sabiam que, pelo que ela contou e Pablo confirmou era filho deles. Se desesperou e ao perceber a atitude de Pablo virou-se e saiu correndo em disparada na direção de onde se encontravam os cavalos. Eu percebi tudo e ao ver Carla saindo em disparada não agüentei e gritei pelo seu nome.

-          CARLA!!!!!!!!!!
-          Ruan, espere. Carla é de Pablo hoje. Eles terão um filho, além do que o lenço já está no braço dela!!!
-          Mercedes.....como assim Grávida? Não pode.... isto é loucura!
-          Ruan escute sua irmã, Carla, esta hoje com outra vida. Não vale a pena ir atrás do passado. Andressa falou isso passando as mãos pelo meu ombro.
-          ANDRESSA....passado só se eu deixar que fique onde está....se eu for atrás será meu futuro!!!!

-          POR FAVOR AJUDEM!!!!!  Antônio chegava da mesma direção que Carla fora, afoito e preocupado. Ele parou exatamente entre o grupo que me rodeava e Pablo.
-          O que foi Antonio???
-          Carla, apareceu do nada e pegou a carroça que Antônio Rodrigues se acidentou...eu ainda não havia fixado a roda que poderá se soltar a qualquer momento.
-          Em que direção ela foi Antonio?
-          Pablo.....ela foi na direção sul, onde há....os.....
-          Penhascos “gandis”!!! respondeu Pablo que imediatamente foi naquela direção. EU percebendo a movimentação dele, voltei para pegar meu cavalo. Sabia de um atalho por trás da grande parede que me colocaria em vantagem à ele. Andressa percebendo tudo veio em minha direção.

-          RUAN o que pensas em fazer?
-          Salvá-la, CLARO!!!!
-          Preste atenção Ruan ela é de Pablo não podes fazer mais nada!!!  

Ao Falar isto pegou em meu braço e o sacudiu. Eu de imediato a peguei de uma forma rápida e até estúpida, com minhas mãos em seus ombros e a sacudi trazendo para próximo de mim e sussurrando perto de seu ouvido:


-          Posso até não poder fazer nada em relação à isto, mas prefiro-a viva aqui, vendo-a todos os dias, mesmo sabendo que ela é de outro do que nunca mais vê-la!
-          PRESTE ATENÇÃO....seu idiota....se queres perder teu tempo nisso, vai...mas fica atento à Pablo! Ele não me inspira confiança e já vi nas minhas cartas sangue no teu reencontro com ele! Temo pela tua segurança. Lembre-se do meu punhal que estás contigo!!
-          Besteira Andressa.....agora sai....estou com pressa.

De um pulo montei em niegro e partir pela estreita passagem da grande parede. Em poucos minutos tudo estaria decidido e traçado. Nada poderia ser alterado.

----------------------------------------Fim da décima segunda parte----------------------------------------------------------------


Ao Sair pela fenda que me levou à frente de Pablo percebi pela poeira que Carla estava um pouco à frente. Num impulso coloquei niegro  em disparada na direção da carroça. Era uma briga contra o destino. Meu coração batia tão alto que mal conseguia ouvir o trotar, rápido de meu cavalo. À medida que me aproximava, meu nervosismo aumentava. Atrás, Pablo já apontava e vislumbrava a cena, eu me aproximando de Carla. Ele, ao mesmo tempo aliviava-se e preocupava-se.
Eu à medida que o espaço entre eu e a carroça acabava imaginava o que diria à Carla. Olhei para a roda da carroça que estava a alguns centimetros de se soltar.

-          CARLA!!!!!!!!!  

Gritei para que ela percebesse. Ela virou a cabeça em minha direção. O tempo parou. Os olhos de Carla transmitiram tudo, numa fração de segundos. Tudo que queríamos dizer um para o outro foi dito em apenas um olhar. Estendi a mão para que ela se aproximasse, para que eu a pegasse. Ela sorriu, e um momento de alívio transcorreu. Ela sentindo que eu não a condenaria e eu ao perceber que ela não me esquecera. Ela por ocasião veio se sentando mais próximo do lado que eu estava. Fez menção de puxar o arreio para diminuir a velocidade do cavalo, só que havia um obstáculo no caminho. Nos momentos que nos distraímos pela presença de um e de outro a carroça começou a margear a encosta, cheia de pedras. Num determinado ponto, uma grande pedra chocou-se com a roda da carroça fazendo, com o solavanco o cavalo disparar com o susto e Carla cais para parte de trás da carroça. Preocupado avancei com niegro e voltei a emparelhar. Carla pela situação da gravidez não conseguir se colocar em pé. Pensei comigo: “preciso ir para dentro da carroça”.  Me aproximei mais ainda da lateral e fiquei de joelhos na cela. Quando me preparava para realizar o movimento vi, após a baixada da estrada uma nova pedra no caminho, maior, olhei de volta à Carla que percebeu minha angustia e me disse pelos olhos:

-          “Nunca me esquecerei de você meu amor!”
-          CARLAAAAAAAAAAAAAAA!!!

 Foi a única coisa que conseguir fazer. A carroça bateu com força na pedra que fez com que a roda se soltasse e jogando de lado, foi-se caindo desfiladeiro àbaixo. O desespero me emudeceu à medida que via a carroça sumir, caindo. Fiquei fora da realidade, e como que por reação não parei o cavalo, me joguei ao chão. Bati com a cabeça no chão e não sei quanto tempo fiquei desacordado. Revi muitas cenas em que estive com Carla. Quando éramos jovens, nosso primeiro beijo, seu olhar meigo, de menina. Suas lágrimas quando ia partir para iniciar minha jornada, seu abraço, colocando seu rosto abaixo do meu queixo.  O gosto de sangue me fez vir à tona. Quando me lembrei do ocorrido corri na direção que a carroça despencara-se. Minha respiração acelerou. Senti minha perna muito dolorida, mas mesmo mancando não podia deixar de ir ao local.
Ao ver de cima me desesperei. A carroça já não mais existia. Estava um amontoado de paus e alguns ferros. O cavalo mais à esquerda já estava agonizando seus últimos suspiros. Carla estava no meio, como se estivesse deitada, descansando. Procurei uma parte que pudesse descer. Comecei e a cada passo pedia que Carla estivesse ainda com vida, implorando à Deus que me permitisse encontra-la de uma vez por todas. Não sei quanto tempo demorei na descida. Quando cheguei lá, pelo lado que o cavalo estava percebi que o pobre animal não respirava mais. Fui, arrastando a perna e me aproximando Carla.  Me ajoelhei a poucos passos dela. Minhas lágrimas já corriam sem controle. Ela estava lá deitada, de vestido branco com detalhes amarelos. Com uma  tiara de flores silvestres na cabeça, e sangue envolta de seu corpo. Meu desespero era total.
Peguei sua cabeça com todo cuidado. Sua nuca estava suja de sangue. Apoiei sua cabeça no meu colo. Passei a mão pelo seus cabelos. Sua respiração estava muito leve, seu pulso quase imperceptível.

-          Ruan.....você voltou?
-          Sim meu amor....voltei por você. Não disse que voltaria?
-          Achei que estivesse morto....
-          Não sem antes ver este olhos lindos de novo....
-          E agora eu é que estou assim.....desculpe...
-          Não se desculpe...ainda iremos nos divertir muito disso tudo....
-          Não Ruan, dessa vez não. Olha não culpe e nem fique magoado com Pablo. Ele me ajudou e me protegeu. Pensávamos que você estava morto.
-          Carla não se preocupe. Eu sei disso tudo, eu e Pablo nos entenderemos.
-          Posso te pedi uma coisa?
-          Sim o que foi meu amor?
 Carla retirando o lenço de Pablo que estava amarrado em seu braço me entregou. Pegando o meu braço retirou meu lenço e com um gesto pediu que eu amarrasse em seu braço.

-          Ruan por favor, quero ser enterrada com seu lenço, pois é a quem eu pertenço!  

Meu choro aumentou, e não consegui disfarçar dela. Minhas lágrimas caiam em seu colo.

-          Meu amor, não chores. Estarei sempre contigo!!! Vamos me leva até a nossa arvore quero estar lá para sempre!
 Não conseguia mais falar uma palavra sequer. Chorava muito à ponto de me amaldiçoar pelas minhas atitudes. Peguei Carla pelos braços, e mesmo sentindo muita dor me pus a subir de volta para realizar seu desejo. No caminho,  as suas ultimas palavras me deixaram  mais ainda desconcertado e desesperado.

-          Carla, sei que não seria momento para isso, mas e este filho?
-          Este é outro assunto que tanto me aflige, agora. Apesar de saber que neste ponto não há como voltar atrás....
-          Não precisa explicar meu amor, só queria entender quando aconteceu....
-          Quando? Numa noite linda de lua cheia, quando tuas lágrimas tocaram meu corpo, naquele momento nosso filho foi concebido
-          Meu filho?
-          E achavas que era de quem mais? De Pablo? Seu tolo....eu nunca poderia.......eu nunca amaria ninguém mais....só poderia ser seu!

Minhas pernas fraquejaram. Tremi por completo e novamente meu pranto tomou conta do silencio que queria fazer para esconder meu arrependimento de todas minhas atitudes que me levaram onde estava. Chorei por muito tempo, trazendo o corpo de Carla de encontro ao meu peito. Ela não mais falava nada. Seu cansaço estava a consumindo, e minhas palavras eram de vergonha.
Quando rompi a subida e cheguei à estrada avistei meu cavalo. Carla já não mais respirava. Meu lenço estava amarrado ao seu braço, sua pela branca estava suja da terra. Seu semblante era sereno afinal!
A recostei numa arvore próxima e fui preparar meu cavalo para o irmos ao leito que colocaria Àquela quem sempre me esperou o retorno estava ali imóvel e eu agora desejava nunca ter voltado.
Estava de costas e percebi pelo trotar a aproximação de uma cavalo. Não me virei. Meu coração acelerou novamente. “O que ainda faltava acontecer?”, eu pensava.



------------------------------------------------------------Fim da décima terceira parte--------------------------------------------



Pablo observava tudo de longe. Percebeu os acontecimentos. A minha aproximação em velocidade, meu braço sendo oferecido à Carla. Depois, a estrada tinha uma baixada e não pode acompanhar mais nada. Baixou a cabeça se sentindo derrotado. Sabia que não tinha como competir pelo amor de Carla, eu estando vivo. De repente escuta um grito:

-          CARLAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

De súbito apressa seu cavalo para ir naquela direção. Seu coração acelera.  Ao chegar à baixada me percebe no chão, como meu cavalo parado distante. Uma poeira subia do fundo do abismo. Temeu o pior. Diminuiu a velocidade de seu cavalo. Mudou de direção indo na direção da borda do precipício, desceu do cavalo. Via ainda a carroça se espatifar contra as rochas e Carla sendo jogada de um lado para o outro até parar inerte no fundo. Suas pernas tremeram, bambalearam e ele caiu de joelhos com as mãos apoiando a cabeça.  Abaixou a cabeça, ajoelhado, encostando a testa no chão e gemendo de desespero. Soltou gritos a fim de amenizar a dor que sentia ao ver àquela imagem. Socou por diversas vezes o chão.

-          Deus....por quê???? POR QUÊEEEEEEEEEEEEE, MEU DEUS....POR FAVOR...TUDO MENOS ISSO!

Depois de ficar por alguns minutos na sua dor, levantou a cabeça e percebeu eu descendo na direção de onde Carla estava caída. Passou os braços pelo rosto, afim de enxugar as lágrimas e acompanhou, com os olhos minha luta para descer até Carla. Percebeu meu desespero ao encontrá-la e meu cuidado ao posiciona-la em meu colo. Acompanhou angustiado minha luta a fim de leva-la nos braços até o cume. Ao perceber minha atitude de apoia-la numa árvore e vendo minha lentidão em ir procurar ajuda, supôs que Carla estaria morta. Decidiu então fazer o que lhe cabia ainda, e assim foi na minha direção.

Eu estava de costas para sua chegada.

Senti os passos se aproximando. Minha alma gelou. Pedi, mentalmente, que não se aproximasse mais. Eu estava apreensivo, nervoso, ansioso. Suava e minhas mãos tremiam. Percebi, à minha frente, onde o corpo de Carla estava, a chegada de Andressa, se comovendo ao ver a irmã inerte, sem vida. Andressa levantou o olhar e percebeu a cena que se passava à frente dela.

Andressa, me viu sair do acampamento em disparada indo na direção da brecha na grande parede. Falou uns palavrões e montou em seu cavalo. Pensou: “tenho que acompanhar Ruan, idiota, ainda vai fazer alguma burrada”.
Pensou ainda: Ruan vai pela brecha na grande parede....então vou contornar por cima dela....e sairei à frente deles”
E assim fez. Demorou mais que todos mais saiu conforme queria, è frente de todos. Quando estava no ápice da estrada, após a baixada, viu algumas cenas que não entendeu bem. Eu, distante alguns metros arrumando meu cavalo. Nenhum sinal de sua irmã, Carla, nem do cavalo nem da carroça, “menos mal”, pensou, “Ruan não deve ter alcançado e Carla deve estar longe agora!”. Desceu do cavalo, e pôs-se a subir um pequeno e íngreme levantar de terra, onde à cima desta havia uma árvore. Foi se chegando por trás desta, e à medida que a circundava percebia um tipo de tecido a se movimentar com o vento, que àquela altura era forte. A subida foi lenta e devagar pois ela se intrigou sobre aquele tecido que se movimentava. Seu coração acelerou, e uma pontada veio logo em seguida. Parou por um instante. Voltou a olhar para o tecido e percebeu um pé descalço. Reconheceu aquele enfeite que circundava aquele tornozelo, era Carla sem dúvida. Andressa acelerou os passos para se postar à frente dela, mas à medida que caminhava percebeu a cena por completo. Carla, inerte, já pálida, com a pele levemente suja pela poeira, era a imagem do ocorrido sem que ninguém precisasse explicar. Um grito mudo e seco saiu da garganta de Andressa.

-          NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! CARLAAAAAAAAA!

Caiu de joelhos ao lado do corpo. Suas mãos tremiam e suas lágrimas corriam livremente pelo seu rosto ate tocar seu queijo e se atirarem na terra seca. Passou delicadamente seus dedos pelo contorno do rosto da irmã, como se tivesse medo de machucá-la. Sentou ao lado do corpo inerte, como faziam quando eram garotinhas a brincar. Pegou a mão esquerda da irmã e entre laçou os dedos. Encostou sua cabeça no ombro da irmã morta. Quis muito retornar o tempo e mudar aquilo. Era impossível, sabia, mas queria muito tal intuito.  Percebeu de longe a imagem que estava a transcorrer à frente a alguns minutos sem que se percebesse. Pablo, sim Pablo, se aproximava por trás de mim. Agoniou-se novamente. Movimentou seus lábios a fim de gritar.....
Pablo próximo à mim parou seu caminhar e esticou o braço, que lentamente seguiu o trajeto estipulado por seu dono......
Eu, de costas e percebendo a reação de Andressa, me preocupei quando não mais ouvi os passos. Fechei meus olhos por um segundo.

 - RUANNNN CUIDADOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!   A voz de Andressa foi imediatamente sentida por nossos corações, ao mesmo tempo em que a mão direita de Pablo tocava meu ombro. Gelei e como que por um passe de mágica sai da minha hipnose, e num movimento sem pensar peguei o punhal, me virei e cravei-o no peito de Pablo que sem entender, com a sua mão esquerda me ofertava a pedra preciosa de Carla que estava sob sua guarda.
Com a voz tremendo disse:

-          Achei que gos...gostaria de fiiicaar com ela!?  Caindo ao chão.
-          PABLO....O QUE FIZ????
-          Ruan des.....desculpe......não consegui aju...ajudar Carla! Ela a amava muito. Fique com a pedra dela que dev....deveria ser sua!
-          Amigo....PABLO...me perdoe.....Retirei o punhal que estava fixado em seu peito e o atirei longe.
Nenhuma resposta a mais iria ser dada. Pablo estava morto em meus braços. Seu sangue estava em minhas mãos, se misturando aos de Carla. Era tudo minha responsabilidade. Minha cabeça estava à mil. Não conseguia pensar direito. Olhava para Pablo, ali inerte, para Carla, fazia tempo que minhas lágrimas não ficavam tão revoltas, libertas, sem controle algum.
Andressa estava chocada. Suas certezas já não a satisfaziam mais. Ela percebeu o que queria dizer o sangue que viu, do encontro meu com Carla e Pablo. Levantou-se ao perceber, longe, uma poeira vindo da direção do acampamento. Ela tinha que me tirar dali, pois eu poderia ser condenado caso o conselho do clã fosse convocado para apurar as duas mortes.

-          Ruan, levante-se rápido.....vamos....há pessoas vindo nesta direção...vamos....
-          Andressa....não posso....não tenho forças....olha o que fiz! Pablo....Carla...
-          Não fez nada, apenas se defendeu, eu vi!
-          Me defendi? Mas de que? Pablo nada fez....
-          PARE COM ISTO!!! Não percebes seu idiota!!!! Você nunca poderia saber qual era a intenção de Pablo.
-          Venha, apoie-se em mim, levante-se.
Fui levantando e enxugando as lágrimas.  Andressa ia me ditando o que fazer  e eu como que dopado ia apenas executando suas recomendações.

-          Preste  atenção Ruan, vai na direção da caverna “droli”, aquela que aportamos quando viajamos com seu Pai, quando tínhamos 7 anos....Vai para lá e não sai por nada. Em três dias estarei lá contigo levando noticias de tudo.
-          Caverna droli, lembro bem.....Eu, você, Mercedes, Pablo e Carla....Carla...Por Santa Sara o que fui fazer???
-          Chega Ruan...acalma-te. Olha vai logo, eu ficarei aqui pra providenciar o enterro de Carla onde ela desejavas
-          Ao pé da árvore....
-          Sim eu sei Ruan.....vai...logo!!!
-          Mas e Pablo?
-          Cuidarei dele também, mas anda te apressas....
-          Está bem....irei.
Parti deixando para trás toda minha vida. Estava zonzo ainda pelos últimos acontecimentos. Montei em niegro e fui na direção combinada, mas era como se estivesse indo para lugar algum, sem rumo. Olhei ainda para trás e percebei que dois cavaleiros se aproximavam do local. Vi que Andressa permanecia ao lado do corpo da irmã.

-------------------------------------------Fim da décima quarta parte--------------------------------------------------------------


Andressa percebeu a aproximação daqueles homens. Eram Carlos e Joaquim, responsáveis pela segurança do clã. Joaquim, seu tio, à muito já havia levantado suspeitas sobre as atitudes da sobrinha. Um dia ficou observando o movimento em sua tenda, e percebeu Igor saindo de lá. Ficou intrigado. Porém, com a morte de Antônio Rodrigues, seu amigo, a situação teve que esperar mais um pouco, porém com o meu reaparecimento e os acontecimento que se sucederam ele tomou a frente para investigar. E precisava encontrar Carla e Andressa para isso. Ao se aproximar, viu o cavalo de Pablo e ao lado, a uns 15 metros seu corpo estendido ao chão. Estremeceu que coisas piores haviam acontecido. Pediu que Carlos, que o acompanhava verificasse em área delimitada desde o cavalo para ver se encontrava algo. Ajoelhou-se e percebeu que Pablo não tinha pulso e que de seu peito uma ferida ainda  expulsava o sangue. Passou a mão pelos cabelos e pensou:

-          Meu Deus, o que estes meninos fizeram?

Olhou na direção de Andressa e a percebeu escorada em alguém. Levantou-se e foi em sua direção. Seu coração acelerava à medida que seus passos o levavam próximo às duas. A imagem do corpo de Carla pálida, foi se fazendo nítida, e seus passos acelerando no mesmo compasso do coração. Chegou próximo e não acreditando no que viu:

-          Por Santa Sara....Carla....o que aconteceu minha sobrinha?
 Andressa abriu os olhos e em prantos encarou o tio e disse:

-          Um acidente Tio. Carla perdeu o controle de sua carroça e caiu no vale. Quando cheguei aqui só a encontrei já sem vida no fundo do abismo!
-          Mas como isso aconteceu?ANDRESSA O QUE REALMENTE ACONTECEU AQUI?
-          Tio já disse...um trágico acidente.
-          E Ruan? Onde está ele?
-          Ruan quando viu que Carla esperava um filho de Pablo saiu em disparada para oeste, não quis saber de ninguém mais.
-          E PABLO?
-          Pablo....Pablo...Tio....não sei o que aconteceu. Provavelmente ele mesmo tenha tirado sua vida em desespero ao ver Carla morta.
-          COMO ASSIM? Está mês dizendo que Pablo se matou?
-          Só pode ser.....
-          JOAQUIM...JOAQUIM......

Gritava Carlos vindo em sua direção. Joaquim levantou-se em foi em sua direção.

-          O que foi Carlos?
-          Olhe o que encontrei!
-          Um punhal....ainda sujo de sangue. Deixe me ver este punhal! Hummm estranho.
-          De quem será?
-          Isso é o que vou descobri.
Joaquim voltou para onde estava Andressa. Assentou-se à frente dela .

-          Andressa, então, onde enterraremos Carla?
-          Tio, era desejo dela ser enterrada à sombra daquela grande árvore que ela costumava brincar com Ruan.
-          Hummm sei sim qual é....Sobrinha me diz uma coisa, você ainda guarda aquele Punhal velho que seu pai te deu?
-          Punhal....aquele velho Tio?
-          Sim, aquele que você tinha muito ciúmes dele. Não deixava ninguém encostar nele.
-          Eu o perdi. Não sei onde foi...com esta confusão devo ter deixado cair em algum lugar.....
-          Mas você sempre teve tanto apreço por ele...
-          Sim tio, tinha, mas como ter cabeça para pensar nisso...neste momento?
-          É....verdade mesmo! Mas olhe o que encontrei caido....
-          Tio...o senhor achou o punhal?
-          Sim Andressa, eu o achei, o que tens a me falar sobre isso?
-          Eu? Nada, porque pergunta isto?
-          Andressa, responda-me, anda!
-          Responder o que tio? Não tenho nada  a falar. Já disse eu o perdi.
-          Ele foi encontrado próximo de onde o corpo de Pablo estava...então?
-          Será que quem o matou usou meu punhal?
-          Não sei, mas até que eu descubra, você está sob nossa guarda e ficará aguardando mais esclarecimentos, ficará sob nossa responsabilidade não poderá sair do acampamento ate tudo estar esclarecido
-           Mas porque isso tio? Eu não fiz isso com Pablo, eu Juro!
-          Minha sobrinha, se você é inocente, não deves temer. O conselho estas reunido agora.
-          O conselho TIO? Mas ele só se reúne em casos graves, que podem ameaçar o clã....
-          Sim....este assunto merece o cuidado do conselho. Agora vamos Andressa! Levemos Carla para que ela seja enterrada onde desejava!

Andressa foi levada até o clã para que pudesse ser informada de tudo , os motivos de sua detenção no acampamento.
Chegando lá, Igor a fitou com os olhos e ela o indicou para que ele a encontrasse em sua tenda.

-          Andressa...Andressa.....o que você fez?
-          Como assim Igor?
-          Pablo....Carla.....e Ruan onde ele está?
-          Achas que fui eu quem os matou?
-          Se não....foi bem propício, não Andressa?
-          SEU IDIOTA! Acha mesmo isso.....
-          Andressa, só lhe fiz uma pergunta
-          Pergunta? você praticamente afirmou isso! Vai saia daqui!
-          E minhas coisas?
-          Que coisas Igor?Sabia que só tinha vindo aqui por causa das jóias, pegue e suma daqui, vai saia da minha frente!
-          Andressa não fala assim.....desculpa! Não vim só por causa das jóias.....
-          Esquece Igor...vai embora, e pode levar esta garrafa de vinho ai também, sei que gosta, preparei ela especialmente para você!
-          Adeus Andresaa...boa sorte!!
-          Boa sorte para você Igor, vai precisar!

A distancia, Joaquim observava a movimentação na tenda de Andressa. Percebeu a entrada de Igor, além de uma discussão acalorada entre os dois. Ficou curioso com o que havia naquele baú que Igor saiu carregando. Decidiu ir de encontro a Igor e tirar aquela história a limpo. Igor arrumava seu cavalo, quando sem perceber Joaquim se posicionou do lado contrário o que ele estava.

-          IGOR!
-          QUE ISSO JOAQUIM? QUER ME MATAR DE SUSTO?
-          Desculpe-me. Mas fiquei curioso porque esta arrumando suas coisas assim? Pensa em ir para algum lugar?
-          Eu? É...eu ...eu vou viajar um pouco. Tenho negócios a fazer!
-          Viajar? Mas não acabou de retornar de uma longa e desgastaste viagem? Pelo menos foi isto que Andressa me disse!
-          Andressa? O que ela disse?
-          Nada demais, apenas que tinha feito bons negócios por onde esteve, e que você a ajudou muito!
-          Eu? Ajudei Andressa?
-          Sim....me diz uma coisa....o que acha que aconteceu com CARLA?
-          CARLA? Porque pergunta para mim?
-          E COM PABLO, SABES?
-          Eu.....porque eu saberia?

Igor começava a suar e a indicar que havia algo a mais. Joaquim percebeu o nervosismo dele ao tocar naquele assunto.

-          Igor calma....só estou querendo saber se é verdade o que Andressa me disse...disso tudo e do seu envolvimento  nisso!
-          Envolvimento? Não tenho nada a ver com isso. Tudo foi planejado por Andressa. Eu apenas executei coisas sem importância
-          Quer dizer então que realmente Andressa está metida nisso tudo?
-          Olha Joaquim, foi ele quem planejou tudo. Ela foi quem arquitetou as coisas no mínimo detalhe para no fim ficar com Ruan, e ele assumindo o Clã, ela seria a Najasta daqui
Najasta – aquela a quem todos querem bem; a mais bela, a mais despojada, a mais faceira. Aquela que fosse unida a um Barô/Gagú, seria a escolhida a ser sempre a melhor dentre todas. Era uma antiga tradição, mas que na verdade significava muita responsabilidade pois uma Najasta é a responsável pela harmonia e das tarefas das mulheres do clã. Porém Andressa via este “título” como sendo seu por direito, além de que uniria isso a estar ao meu lado.

-          Como assim Igor? Mas Ruan so poderia assumir com a morte de Antônio Rodrigues....sim....e ele está morto de certa forma não tão bem explicada...
-          Olha Joaquim não disse nada disso. Não sei se ela teria coragem de fazer algo  à Antônio Rodrigues....
-          Mas tudo se encaixa....e o resto? Quero saber tudo!
Igor começou a relatar tudo que sabia. Joaquim à medida que ia escutando mais se preocupava com o rumo que a sobrinha tomou e o que ela fora capaz para realizar seus sonhos.

-          Igor tira teus pertences do cavalo, que o levarei para a o curral....
-          Como assim Joaquim, tenho que seguir viagem....
-          E irá, mas só depois de falar ao conselho sobre tudo isso. Aguarde-me aqui, que irei pedir audiência com os membros para que possa explicar tudo isto.
Igor, sem saber como proceder, obedeceu à Joaquim. Retirou todos seus pertences e aguardou enquanto Joaquim ia até o conselho. Os minutos se sucederam e mil e uma idéias afloraram em sua mente. Arrepende-se de ter traído Andressa e lembrou o que poderia acontecer com ela caso o conselho determinasse sua responsabilidade nos atos. ELA PODERIA SER MORTA! Passou a mão pelos cabelos e desesperou-se. Olhou para a garrafa com vinho que Andressa o presenteou e começou a beber. Nisso uma idéia o transpassou.
-            É claro!  Pensou ele. Era só ele não estar presente ao conselho que ela estaria salva. Ele precisava então partir para que nada de mal a acontecesse. Enquanto sorria aliviado levava a garrafa mais uma vez à sua boca e absorvia aquele vinho. Colocou tudo numa postarca,  uma espécie de bolsa grande e rumou em direção à leste. Sua intenção era chegar ate o vilarejo e lá adquiria um cavalo e partiria para o oceano. Ficaria por lá alguns anos e depois, bem depois retornaria. Porém, ao dar exatamente 10 passos à frente, na direção do seu destino, um mal estar se apoderou  de seu abdômen. Uma queimação surgia e começava a deixá-lo zonzo. Seus passos foram diminuindo e ele já percebia suas forças o deixando.  Precisou se ajoelhar, deixando cair a postarca que com o movimento abriu-se a todos os objetos que estavam dentro ficaram esparramados. Sua visão começava a embaçar e o organismo, como que por uma ação automática começava a provocar vômitos tentando, em vão, retirar aquilo que o consumia lentamente. Lembrou das palavras de Andressa: - “pode levar esta garrafa de vinho ai também, sei que gosta, preparei ela especialmente para você!  Ele não podia acreditar no que ela fez. Mas ali já não havia mais o que fazer, seu destino estava consumado, e ele com um ultimo suspiro, já com o tórax ao chão, levantando a mão direita em direção ao clã, disse:
-            Por que Andressa?
Seu corpo já sem vida permanecia imóvel no solo. Joaquim, voltando ao local que Igor deveria estar, preocupou-se a ver a alguns metros um corpo no chão. Ao se aproximar e tocar e percebeu que Igor já sem vida era a única testemunho do fato ocorrido à ele próprio. Ele, porém, percebeu ao lado do corpo a garrafa de vinho já vazia, pois ao cair esta derramou todo o liquido que ainda havia. Joaquim molhou seus dedos na ultima gota que ficara na garrafa e cheirou. Podia ate haver vinho ali, mas com certeza outra coisa também existia.

-            Igor.....

Joaquim chamou outros para ajudar a levar o corpo de Igor para ser sepultado. Ao pegar as coisas que estavam n o chão reparou um pequeno baú recheado de jóias. Juntou tudo e levou para o conselho para dar a noticia e apresentar o que fora recolhido.

-             Cália, Igor está morto!
-            Morto? Como assim?
-            Eu, depois de ter conversado com ele e ter me revelado tudo que já contei à vocês, voltei ao lugar marcado para trazê-lo e o encontrei caído com uma garrafa de, o que parecia ser vinho, mas que em nada se aproximava de um vinho mesmo, disso tenho certeza.
-            Então quer dizer que ele foi envenenado?
-            Isso é quase certo!
-            E quem suspeita que foi o autor?
-            Bem....
-            Quem...anda digas.....
-            Cália, não posso afirmar, não há certeza...
-            Entendi! Suspeita que tenha sido Andressa!
-            Não disse isso, mas....
-            Mas tudo leva a crer...
-            Sim...é verdade
-            Detenha Andressa para que seja submetida ao conselho!
-            Mas Cália, isso significa
-            Sim! Significa que ela pode ser responsabilizada...
-            Mas se isso acontecer...
-            JOAQUIM! Calma! Primeiro vamos esclarecer tudo. Estamos passando por um momento delicado. Com a morte de Antônio Rodrigues, o sumiço de Ruan,  estamos oficialmente sem uma liderança, dessa forma o conselho se torna responsável por tudo aqui.
-            Eu entendo!
-            Não se preocupe. Faremos tudo com maior rigor. Agora a traga!
-            Esta bem.
Àquela altura Igor já teria bebido tudo. Era o momento de pegar de volta as jóias e partir para encontrar a mim e para viverem em paz, só ela e eu. Andressa se preparava para partir quando ouviu uma voz a chamando!

-            ANDRESSA! PARA AI!
-            Tio...o que foi?
-            ANDRESSA, EM NOME DO CONSELHO EU A DETENHO PARA QUE SEJA SUBMETIDA AO CONSLEHO E ASSIM AVALIADA SUA PARTICIPAÇÃO NAS MORTES DE CARLA, PABLO, IGO E ANTONIO RODRIGUES!
-            Como assim Tio? Estás louco?
-            Infelizmente não. AGORA Estenda suas mãos, preciso levá-la com o antaro!
ANTARO – uma corda branca de um metro de comprimento com um pequeno laço em uma das extremidades, onde era utilizado para levar suspeitos perigosos.
-            Mas Tio? Não preciso ir amarrada com um antaro!
-            Desculpe Andressa, essas são as ordens! Você está detida e será submetida ao conselho para avaliar sua culpa nos fatos.
-----------------------------------------------------Fim da décima quinta parte-------------------------------------------------





Eu já havia desacelerado desde que deixei Andressa com os corpos de Carla e Pablo para trás. A imagem deles não saia da minha cabeça. Carla....Pablo....e ANDRESSA. A deixei para ser responsabilizada em meu nome. Não poderia permitir isso. Já passava e muito da hora que ela havia dito que iria me encontrar. Algo aconteceu. E eu sabia muito bem o que seria. Eu precisava voltar. Ela não poderia ser incriminada. Com a morte de meu pai eu era o líder agora, esclareceria tudo e daria uma salvo à Andressa para que ela não fosse responsabilizada por aquela tragédia. Montei em niegro  e partir em direção ao clã.
Ao chegar ao clã fui recebido por Joaquim.

-          Ruan...que bom que retornou. Estávamos à sua espera.
-          Joaquim! Preciso ver Andressa, falar com ela, você a viu?
-          Sim. Ela está detida pelo conselho
-          Como assim? Porque?
-          Cália determinou porque as mortes que ocorreram precisam ser esclarecidas
-          Mas o que Andressa tem a ver com tais mortes?
-          Pelo que Igor me contou, muito.
-          O que Igor falou? Quero falar com ele
-          Não pode!
-          Porque?
-          Ele também esta morto, foi envenenado.
-          IGOR? MORTO?
-          Sim
-          Por Santa Sara...
-          Agora Ruan me esclareça umas coisas....

Eu ia relatando o que me vinha na cabeça, apenas para despistar Joaquim e para poder ir ver Mercedes e saber de Andressa.


-            Bem Joaquim, que eu me lembre é isso!
-            Ruan, fique por perto, comunicarei Cália e ela provavelmente vai querer falar com você!
-            Joaquim não tenho nenhuma pretensão de sair, afinal, com a morte de meu Pai é meu dever assumir o clã!
-            Sim Ruan, isso é claro, mas em condições normais.
-            Como assim?
-            O fato é que houve um lapso temporal, em que ficamos sem um líder. Entre a morte de seu pai e os acontecimentos, não havia, formalmente ninguém responsável. Por isso Cália,  se viu obrigada a conclamar o conselho e este, na ausência do Barô, é quem se responsabiliza por tudo aqui!
-            Eu sei disso, mas eu estou aqui!
-            Mas Ruan, até que tudo seja esclarecido, sabes bem, que não poderá haver a lhama!
Lhama – Festa de proclamação do novo líder.
-            Eu sei...eu sei! Está bem. Irei descansar e depois falarei com Cália!
-            Faça isso!
Fui em direção à tenda de minha irmã. Precisava de um lugar onde pudesse colocar minha cabeça no lugar. Ao chegar à entrada Mercedes não escondeu a preocupação. Veio ao meu encontro e como de costume me recebeu com um abraço

-            Como temi por tua vida meu irmão!
-            Mercedes, não se preocupe, hoje isso é o que menos me importa. Estou angustiado com tudo que aconteceu, preciso ouvir-te, preciso que me julgue e me condene pois não sou mais digno de teu respeito e amor!
-            Meu irmão, quanto ao respeito não te preocupes, isto é algo como um riacho perene. Quando os motivos para enche-lo e dar-lhe vida existem, ele retorna vigoroso como sempre. Porém quando surgem novamente razões que o secam, ele se vai, mas apenas por um período. Mas quanto ao meu amor por ti, não podes querer nada porque nem eu mesmo controlo. Desde o início, quando me dei por mim, ainda muito pequena o tinha como modelo e protetor. Com o tempo crescendo ao teu lado e tu sempre doce e dedicado aos meus desejos tive a certeza que sou uma privilegiada por esta nesta vida ao lado teu como quem você mais confia.
-            Sim tens razão. Apenas em ti me sinto leve, eu mesmo, sem amarras, sem máscaras. Preciso contar para ti tudo que realmente aconteceu, desde minha partida, preciso que saibas de tudo.
-            Venha, entre Ruan, me conte.
Iniciei minha confissão a fim de receber minha condenação e quem sabe cumprir a penitência que o destino estaria guardando para mim. Após falar tudo que precisava aguardei as palavras de Mercedes.

-            Ruan, és sem dúvida quem tem muito a responder por atitudes impensadas, imaturas. Não poderia ter feito o que fez com Carla, ainda mais depois do que aconteceu entre os dois. Não poderia nunca  ter se envolvido com uma
gadgés. Colocou nossa tradição e vida em risco com isso. Deixou-se iludir pelo seu orgulho e vaidade, e não percebeu ate onde Andressa o manipulava. Até mesmo Igor, como não  percebeu como ela agia por trás de ti? Foste muito ingênuo, enganado por sua própria presunção. És responsável pelo que aconteceu à Pablo, mas teu estado no momento do ocorrido justificam muito suas ações. Tinha acabado de chegar de um cativeiro onde fora duramente torturado. Seu estado emocional estava muito abalado, por isso digo que Andressa aproveitou-se diretamente disso para ter domínio sobre ti. Ela foi ardilosa e premeditada. Nunca mediu as conseqüências dos atos para ter o que queria. Quanto  a Carla ela precipitou-se em não acreditar no que você sentia. Desesperou-se sem ao menos dar u a oportunidade de que você se pronunciasse. Agiu sem pensar. Foi uma fatalidade.

-            Minha irmã, preciso consertar o que fiz, para que Andressa não seja responsabilizada pelo ocorrido.
-            Ruan, a esta altura não sei bem ate onde o que venha a revelar pode salvá-la.
-            Como assim? Ela não foi a responsável pelas mortes!
-            Sim, mas o que Igor revelou vai bem mais do que apenas as mortes. O envolvimento dela com aqueles abastardos de ciganos que foram contratados para te seqüestrar, as jóias roubadas sabe-se lá de onde, além da morte de Igor.
-            Isso tudo é muito, agora para eu pensar, mas gostaria e ter com ela para tentar entender tudo isso, podes me ajudar, falando com Cália que me autorize?
-            Está bem Ruan, se desejar estar com ela antes de ir ser ouvido pelo conselho, arrumarei para que isso aconteça.
Assim fui levado para onde Andressa estava. Ao chegar lá, a percebi sentada num canto, na caverna andorra. O local era grande e um tanto escuro, apesar das lamparinas à óleo de cabra que usávamos. Andressa não percebeu quando entrei no lugar, apenas quando me coloquei à sua frente
-            Andressa?
-            Ruan? O que está fazendo aqui?
-            Voltei para esclarecer tudo Andressa. Não é justo você ser responsabilizada por coisas que fui eu quem fez!
-            Como assim Ruan?
-            Andressa, Igor contou tudo, tudo que havia sido planejado, arquitetado por você e ele.
-            TUDO?!! Como tudo? Não entendo?
-            Andressa, pare com este jogo. Eu já sei de tudo também. Que você arquitetou inclusive meu sequestro, que acabou não dando certo.
-            Aquele idiota! Sempre inventando coisas
-            Andressa, pare com isso...Igor está morto!
-            Morto?! Que pena, pois poderia esclarecer tudo! Agora estou aqui apenas por conta de devaneios daquele pobre infeliz! Espero que esteja arrependido onde estiver!
-            Andressa porque simplesmente não me conta tudo?
-            Se não acreditas em mim Ruan, não posso fazer nada!
-            Andressa, não é uma questão de acreditar ou não, agora isso não faz muito sentido. A questão é que irei me reunir com o conselho e esclarecerei tudo!
-            Pare com isso RUAN! Será que não pensa nem um pouco? Não quero sua pena...não quero que faça algo por mim por estar com a consciência pesada.
-            Andressa não deixarei você responder por algo de minha responsabilidade!
-            Como pode? Como pode depois de tudo querer se comportar assim? Achas que tens sempre que agir desta forma? O certinho? Não preciso de sua compaixão, isso eu não quero!
-            Isso você não tem poder para decidir!
-            Escute-me, Ruan! Se fizer isto nunca poderá assumir o que é seu por direito, será, no mínimo banido do clã!
-            Não me importo!
-            Preste atenção homem! Eles não tem provas quanto à minha participação nisso tudo, nada, apenas o que um morto falou, e nem foi ao conselho foi a Joaquim que foi dito tudo. No máximo, serei banida!
-            Mas não posso deixar que seja responsabilizada por algo que eu fiz!
-            Seu tolo! Sendo banida, assim que você assumir seu lugar de direito poderá me aceitar de volta e tudo ficará bem!
-            Não sei Andressa. Não me sinto bem com isto! Não ficarei tranqüilo
-            Pare com isto Ruan! Já disse, não preciso de sua compaixão, mas se quiser ser um pouco inteligente agirá como te disse!
-            Vou pensar em como agirei!

Sai dando as costas para Andressa, que ficara muito decepcionada com minha postura. Ela esperava que eu finalmente a pegasse em meus braços e dissesse que faria de tudo para salvá-la. Como não o fiz, novamente ela tomou a postura que costumava ter com todos, demonstrando que não precisava de ninguém, e que era muito mais inteligente e esperta que os outros. Quando sai, ela ainda aguardou alguns minutos  na esperança de que voltasse. Como não ficou refletindo no que havia me afirmado. Um frio na barriga trouxe uma medo e uma angustia que ela nunca sentira. Temeu o pior. Deitou-se num canto e tentou adormecer, esperando que tudo que preverá acontecesse. Sai dali e fui descansar, pensando nas palavras de Andressa. No fundo eu torcia para que aquilo realmente acontecesse pois aliviaria um pouco minha consciência, principalmente perante Carla, pois sua irmã não seria responsabilizada e eu ainda poderia aceita-la de volta.
-------------------------------------------------------------Fim da décima sexta parte-------------------------------------------


Não consegui dormir depois de tudo que havia acontecido. Depois de tudo que tinha passado e feito até ali. Tantos passaram pela minha frente. Nada fora como eu havia pensado. Se pudesse ao menos voltar, poderia mudar muitas coisas. Agora estava ali, a poucos minutos de uma julgamento onde eu não poderia fazer nada para salva-la. Se antes fiz tudo para fugir disso agora era refém deste sentimento que me apertava o peito, estava sufocado. Sabia qual seria o desfecho.
-          Ruan, Cália chama para a reunião do conselho. É chegada à hora. me alertou Joaquim.

-          Estou indo Joaquim!

Ao chegar à tenda do conselho, todos os "anciões" que faziam  parte do conselho estavam lá. Cália á mais velha, Joaquim, Antonio, Vinha e minha irmã Mercedes, quem era agora, após meu sumiço, a líder, temporária daquele Clã, até meu irmão retornar de sua jornada, ou eu reassumir o posto. Mercedes talvez tenha sido quem mais me apoiou depois que tudo foi descoberto. Esteve ao meu lado e entendeu sobre meus sentimentos, porém nada revelou.

- Estamos aqui hoje reunidos para tratar do futuro de um dos nossos membros - Andressa. É sabido o que ocorreu, mas farei um breve relato. Descobrimos que a jovem foi a responsável pelo assassinato direto de Igor, estefoi encontrado morto com as jóias que pelo que sabemos são roubadas. Sabemos também, pelo relato de Igor que esta pode ter provocado o acidente que vitimou sua irmã Carla e seu bebê. Encontramos Seu punhal ao lado do copo de Pablo... - meu espírito gelou. Não temos dúvida do que essa moça é capaz, mas o que  falta descobrir é o que a motivou, qual o objetivo dela nisso tudo, para que então possamos determinar seu futuro. Por isso Ruan está aqui hoje. Ele é quem mais teve contato com ela, dos que ainda estão vivos e poderá nos ajudar a elucidar tais mistérios.Vamos agora escutar o que Ruan tem a dizer:
- Bem, o que posso dizer que já não falei à vocês? Pablo, quando o encontrei estava caído numa poça de sangue e aquele punhal ao lado. Estava indo em direção à estrada que leva às "fals", e vi o cavalo dele parado à distancia, me aproximei e vi a cena que já descrevi, de Carla....
- Logo depois o que você fez? questionava Cália
- Depois? bem....ehhh...ahhhh eu fui para leste pois procurava quem tinha feito tal coisa com Pablo.....
- e Andressa? Ela já estava lá quando chegou?
- Não ela não estava lá, em momento algum....
- Sim...sim, continue!
- Quanto à Carla, é tudo muito confuso. Eu acabara de chegar ao clã depois que tinha sido dado como morto. Ao perceber Carla com Pablo ela se desesperou e saiu em disparada com a carroça. Fui na direção que me apontaram...
- Quem foi que lhe deu estas informações?
- Antonio. Fui na direção que ele me apontou, no caminho que leva à Creta. Quando me aproximei do penhasco, via a carroça já despedaçada...lá me baixo. A cena voltava à minha mente. Faltava me ar, minha cabeça girava. Era tudo minha culpa, era...tudo....Pablo, Carla, Igor e meu Filho...sim meu único filho.....e agora seria Andressa, como poderia mudar o fim desta história? como?
- Ruan...Ruan? Você está bem? Mercedes vinha me socorrer. Não percebem o quanto isso é desgastaste? Já perguntaram tudo isso antes...porque tudo de novo? Não percebem que ele não tem mais nada à acrescentar?
- Sim Mercedes mas há ainda coisas a serem esclarecidas, precisamos de mais detalhes...insistia Cália
- Por favor, vamos terminar logo com isto!!! Ele já não agüenta mais lembrar de tudo novamente.
- Está certo Mercedes, o conselho então vai se reunir para determinar sobre o futuro de Andressa, saiam por favor.

O conselho era o órgão máximo de aplicação das regras de um clã. Ficavam, em casos como este reunidos por quase um dia. Após a decisão um lenço era fixado do lado de fora da tenda, e pela cor era determinado o futuro daquele que era julgado. Branco, absolvição; Amarelo, expulsão e negro, morte. Nunca houve até então um caso de lenço negro. Mas meu coração estava angustiado. Precisava ver Andressa novamente. Não podia esperar mais. Andressa estava aprisionada na caverna andorra, próxima ao nosso acampamento. Tinha que ir lá e dar um jeito de vê-la. Estava me aproximando quando vi dois irmãos ciganos à entrada vigiando. Isso não me conteria, fui determinado ate que um braço me segurou. Era Mercedes.
- O que pretendes fazer....está louco??
- Mercedes....não agüento mais, preciso revê-la. Eu não sou tão santo assim e ela não é tão culpada assim!
- Calas a boca!!!!! Já percebi que estás enfeitiçado por ela, mas isso não a salvará. Sei de tudo que aconteceu. Mais do que já te contei. Pablo antes de ir ao teu encontro me contou. Ele descobriu que Carla estava Grávida de Ti....e me contou tudo desde sua ida para a preparação para assumir o clã ate o planejamento dele com Andressa para ele ter Carla. Não vê que essa daí planejou tudo? Tudo para ficar contigo até o fim!!!!
- Mercedes, mas eu tenho culpa, muita culpa. Meu ego me fez acreditar que tudo girava em torno de mim. Todas as mulheres que tive e agora luto para salvar à única que nunca desistiu de mim....
- E Carla? Esquece-se dela? e de teu filho que nem havia nascido ainda???
- Sim mas não posso voltar....e agora preciso revê-la e ajudá-la para que Carla fique em paz!
- Como? não tem como entrar aí...
- Vai ver!
- Espera eu te ajudo....amo você meu irmão, lembre-se disso!
- Obrigado Mercedes, também a amo!
Mercedes chamou à atenção dos que guardavam à entrada da caverna. Assim que estes se distanciaram um pouco entrei.
- Andressa? Onde estás?
- Ruan é você?você voltou?
- Sim Andressa!
-.....estou com tanto medo Ruan! Me ajude, me ajude, não posso ficar longe de ti, agora não.... Andressa se atirava em meus braços se deixando cair. Eu ainda relutante com ela, apensar de já me entregar no meu íntimo à única que ainda não havia me abandonado.
-          Andressa, levante-se.

Andressa estava marcada pelos momentos até ali. Sua intocável pintura já não era a mesma, mas ainda sim seus olhos azuis, refletiam todo a alma daquela mulher que naquele momento se mostrava tão frágil, diferente de antes. Dessa forma a trouxe para perto do meu peito a abracei com tanta força que ela perdeu o medo. Olhava-me atentamente como que uma menina espera o conselho de um adulto. Ao olhar aquele semblante, aqueles olhos, não agüentei e novamente senti aqueles lábios de encontro aos meus. Seu beijo dessa vez era uma decisão que eu tinha querido ter. Ela estava entregue, amena, apenas sentindo o que a tanto esperava, um beijo dado realmente e querido por mim.

- Ahhh Ruan, quanto esperei por isso, quanto tempo....meu amor
- Não fales Andressa, não fales. Temos que pensar em como te tirar daqui! Estive com o conselho e não falei nada, mas receio que eles te condenarão. Precisamos agir! Olha, estarei aqui antes do amanhecer e darei um jeito de te tirar daqui. Assim que ouvir meu assobio saia correndo que estarei a te esperar. Fugiremos daqui, te prometo!
- Sim esperarei então!
Assim, sai da caverna antes que os vigias voltassem. Fui para  o acampamento preparar por tudo. Passei por Mercedes que veio me avisar.
- Ruan a sentença foi dada!
- Não me importa o que foi decidido. Eu sei o que vou fazer!
- Ruan escuta-me, foi dado o lenço negro!!
Nunca me esquecerei daquelas palavras. Não sei bem como mostrei minha reação à Mercedes mas acho que nunca poderia disfarçar.
- Como podem? Como podem minha irmã? e a que horas irão terminar com isto?
- Quando o sol nascer!!!
- Minha irmã, escuta. Cuida para que Carlitos assuma este clã e restabeleça a herança de nosso pai. Confio em ti!
- Meu irmão, amo-te de todo meu ser! por favor cuida-te!
Sabíamos que era a ultima vez que estaríamos juntos. Nos abraçamos forte para nunca mais nos vermos novamente daquela forma. Fui em direção ao estábulo. Aprontei meu cavalo, bagagens e mantimentos. Fui em direção à caverna. Ao chegar lá a mesma cena. Os dois estavam conversando num canto. Foi fácil ludibriá-los e deixa-los desacordados. Assobiei para Andressa. Nada, Voltei a assobiar. Nada. Assobiei e chamei por ela.

-          Andressa!!!


De repente, uma silueta. vem na direção da saída. Era Cália.
- Muito bem Ruan, sabia que havia mais coisas nesta história. Você sempre presente nas mortes, era mesmo muito estranho.
-          Cália, o que??? o que está fazendo aqui???
-            Deixei você com um vigia, sabia que conseguiria algo à mais. Daí foi fácil prever seus passos! Vamos concluir a sentença e depois cuidamos de você!


Ao nos dirigirmos para dentro da caverna todos estavam lá, de forma já planejada por Cália. Andressa, estava em pé, com as mãos amarradas para trás. Em sua frente uma mesa, onde havia três objetos. Um cálice com vinho - provavelmente envenenado; uma corda onde seria enforcada e uma venda, onde seria degolada. Todos estavam em volta de Andressa, num grande círculo. Eu estava à frente dela, com o coração à boca. Cália, em seu momento de triunfo, foi à frente de Andressa e começou a falar.

-      Andressa Romã Cortes, o conselho declarou que és responsável direta pelas mortes, porém descobrimos que Ruan sabia de tudo e escondeu deste conselho tais informações. Assim como responsável por este conselho determino que Jose Ruan Carlos deve ser sentenciado à exclusão do clã e a vergonha das 7 navalhadas. Chamava-se 7 navalhadas mas consistia em que todos os membros do clã fariam um corte com a mesma faca ao longo do corpo do excluído.

-            Quanto à você Andressa, podes escolher o que vai fazer! Disse Joaquim mostrando à ela os objetos sobre a mesa e soltando suas mãos. Andressa assustada, ainda olhava tudo em volta, e não acreditando no que via só procurava os meus olhos que neste momento estava recebendo os abraços de Mercedes que muito aflita com a resolução do conselho só chorava.

-            Eu? disse Andressa olhando à todos em volta. Eu escolho a vida. Pois a muito luto por algo que não me era permitido nesta vida. Desde sempre amo a este HOMEM. Lutei contra tudo e contra todos, e faria tudo novamente apenas para receber o que recebi hoje. Hoje ele me mostrou que tudo que fiz valeu à pena. Sinto por vocês pobres de espirito que nunca vão ter o que tenho...aahahahahahahaahahahahahahaahahah, coitados, coitados.

Andressa voltava e mostrar a mesma força de antes. Encarava a todos sem medo e com ar de desafio. Era assim que eu havia conhecido e não gostava dela desta forma. De uma vez ela tomou o cálice fatal à mão.

-            É isto que desejam? Aqui esta minha escolha, mas não para o deleite de vocês, pois estarei liberta pelo desejo de vocês e mais próxima ao meu amor.....ahahahahaahahahahahahahaahahahahaha

Com a mesma força bebeu o liquido mortal. Continuava a sorris alto, mas ia aos poucos cambaleando para trás mostrando que o liquido já começava seu efeito sorrateiro. De um pulo, e com lágrimas aos olhos me desvencilhei dos que me seguravam e amparei Andressa antes que caísse ao chão.

- Ruan, sabias que não em deixarias tombar, sempre soube. Desculpe por tudo que lhe causei, mas amo-te mais do que a mim mesma. Apenas quis você para mim, e hoje tive isso.
- Andressa, não falas, por favor...
- Logo meu amor estarei liberta de tudo isto e ficarei ao teu lado mais ainda...ahhhhh ...como doi...ahhhhhhh
- Andressa olhas para mim......eu......eu...eu...!!!Não consegui pronunciar as palavras e se as tivesse pronunciado não saberia se foram ouvidas por ela,  pois quando terminei a frase seu corpo já estava sem o brilho tão vivo que possuía nos olhos, estavam estáticos apenas.
- Idiotas!!!!!! Eu gritava fazendo minhas palavras serem ecoadas na caverna.Mas ninguém se importou. O corpo de Andressa foi tirado da caverna e eu fui  levado e amarrado a uma árvore que havia na entrada da caverna. Fui despido. E assim, amarrado, com os braços abertos em forma de asas, eu estava à espera da minha sentença. Um por um, todos passavam e faziam o mesmo, um corte pelo meu corpo. A primeira Cália ainda disse.
- És uma vergonha para nosso clã. Seu pai estaria desgostoso. falou e me cortou o rosto, abaixo dos olhos. Foi a primeira. Ao todo foram 35 cortes. O ultimo foi o de Mercedes. Eu já todo ensangüentado, e ela a me olha com lágrimas nos olhos.
- Meu irmão, meu amore, sinto tanto por isto. Tu sempre me ajudou e ensinou tanto. Desculpe não ter podido ajudar mais. Escuta. Teu cavalo estarás a tua espera. Não olhes para trás pois Cália não deixará isto barato. Fuja para onde possa e onde não tenhamos mais informações tuas. Falando tais palavras em meus ouvidos, fez o ultimo corte em minha palma da mão, como se um tratado estivesse sendo feito. Estava fraco e desmaiei. Acordei com os homens me tirando as amarras e me colocando no cavalo, com minhas roupas amontoadas na cela. senti o vento batendo em minhas costas e o cavalo a galopar pelos campos. Ao poucos escutava o barulho da água do riacho que passava perto. Instintivamente o cavalo parou para beber água. Cai dentro dos rio e para minha sorte a água me ajudou a recobrar a consciência. Me lavei o que podia. Me Vesti. Olhei novamente para a planície que tantas vezes corri e sorri com meus amigos. Olhei na direção do acampamento. Não era mais a mesma emoção. Olhei à Frente. Sentia que muito ainda me aguardava. Deixei aquela região com o coração ainda apertado e com a  pele e a alma marcadas por tudo que havia ocorrido.


-          Realmente, o senhor prometeu uma história que prenderia nossa atenção e cumpriu o combinado!
Falou um dos jovens que me interpelaram naquela cidade que eu estava passando. Já havia transcorrido 7 anos desde que tudo acontecera.
-          Conforme combinamos aqui está as moedas que prometemos!!
O mesmo jovem, estendeu a mão e ao meu movimento jogou as moedas pelo chão. Eu, vestido com uma túnica que cobria minha cabeça, não levantava os olhos para que eles não visem meu rosto marcado.
-          Vai, pode pegar as moedas.....vai...ou não vai querer?
-          Meninos, não quero problemas.....
-          Vai velhote pode pegar....
Ao estender o braço e curvar meu corpo para pegar as moedas senti um chute  atrás de mim que me fez ir ao chão. Ao olhar para cima, do chão os jovens perceberam meu rosto todos cheio de cicatrizes e assustados correram. Cobri rapidamente novamente minha cabeça e peguei as moedas.  Ao tentar me levantar novamente escutei uma passos. Pensei que mais uma vez os problemas voltariam, quando ouvi um doce e meiga voz.
-          Aqui moço, pegue esta moeda!
Quando levantei os olhos me deparei com Uma criança, uma rapazinho que estendia sua mão me ofertando a moeda.
-          Quanta bondade sua....
 Quando retirei a moeda percebi algo na mão do menino que me deixou antônimo. As linhas das mãos daquele menino se encontravam, formando uma estrela, como as que eu tinha. Olhei para ele, indagando-o sobre aquilo, quando ele, muito espertamente respondeu:

-          É uma marca que tenho de nascença. Minha mãe disse que é muito especial pois mostra quem eu sou!
-          Como se chamas garoto?
-          JUAN CARLOS
Tremi. Retirei minha luva e mostrei a ele a mesma marca, na minha mão.
-          que bom moço, também tem uma marca igual. Assim o senhor nunca se esquecerá de quem és, não é?
-          É verdade garoto, é verdade.....
-          JUANITO! ANDA, vamos temos que voltar!
Uma voz, muito familiar o chamava de volta. Levantei os olhos e a vi, novamente, de pé, de frente a carruagem, num lindo vestido azul claro, e um chapéu de igual cor, com detalhes brancos. Estava exuberante.

-          Tenho que ir, minha mãe me chama, boa sorte moço!
-          Adeus pequeninõ, que Santa Sara esteja sempre contigo!

E assim ele foi. Sem saber o que tinha feito, mas me dando uma nova chance de olhar para frente e esquecer o passado. Ainda fiquei olhando para Natália, enquanto meu filho voltava apressadamente para ela.

-          quem era o seu amigo, meu filho?
-          Mamãe não sei, só sei que ele tinha uma marca na mão como a minha!
-          Como assim Juanito? Sua estrela, na mão esquerda?
-          Sim, exatamente igual...
-          Ruan.....
-          Quem mamãe?
-          O que o moço disse para você meu filho?
-          Hummm...perguntou meu nome, e disse assim: “que santa Sara esteja contigo”
-          RUAN!!!!!!

Quando Natália olhou para o lado que eu estava não encontrou mais nada, apenas a rua vazia. Seu coração acelerou. Aos poucos foi se acalmando feliz por saber que eu conhecera meu filho. Deu um sorriso e voltou, junto a Juan Carlos para a carruagem. Eu, continuei minha jornada em busca daquilo que não encontrara. Minhas esperanças estavam renovadas por algo que não entendia, apenas me alegrava o fato de que teria a chance de encontrar o que tanto me fazia falta....